
“Antes do amanhecer, você é acordado pelo barulho ensurdecedor de aviões de combate e drones que lançam suas bombas, e pelas explosões impressionantes da defesa aérea empenhada em interceptar. Você se acostuma a adormecer novamente, sem realmente conseguir descansar… Os dias não têm o mesmo ritmo de antes. Longos silêncios, nos quais o menor ruído desperta o medo de um novo ataque, questionam as mentes sobre quando realizar algo ou não”
O relato do Cardeal Dominique Joseph Mathieu, OFM Conv., Arcebispo de Teerã-Isfahan dos Latinos, enviado à agência Asia News, retrata um pouco do clima vivenciado em Teerã (foto), capital do Irã, dias após os Estados Unidos atacarem, em 21 de junho, as instalações de enriquecimento de urânio – que dão condição ao Irã de produzir armas nucleares – e outros alvos militares iranianos, assim como fizera Israel no dia 13 do mesmo mês.
Após a ação, o governo de Donald Trump afirmou ter destruído totalmente o programa iraniano de enriquecimento de urânio, informação que foi refutada pelo governo do país do Oriente Médio. No dia 23, os norte-americanos afirmaram ter chegado a um acordo de cessar-fogo entre Israel e Irã, mas as autoridades dos dois países já se declararam prontas para responder a eventuais ataques.
OS CRISTÃOS EM MEIO AOS CONFLITOS
Neste conflito, também os civis têm sido vítimas dos bombardeios tanto em Israel quanto no Irã.
“A escalada surreal de ataques e contra-ataques, assistida por aliados para alguns e cúmplices para outros, em locais extremamente sensíveis, nos faz temer o pior, levando-nos a crer que não há mais limites, que tudo é possível e justificável, como ‘obter a paz pela guerra’”, escreveu o Cardeal Mathieu ao já referido relato à Asia News.
Em entrevista ao O SÃO PAULO, Marco Cruz, secretário-geral da Portas Abertas no Brasil, organização internacional que atua em prol dos cristãos perseguidos, recordou que 14 países do Oriente Médio estão na Lista Mundial da Perseguição 2025 (LMP 2025), publicada em janeiro pela instituição, os quais “se encontram em perseguição extrema ou severa a cristãos. Temos observado que em países em conflito, os cristãos ficam ainda mais vulneráveis, pois a falta de apoio público ou privado que acontece no dia a dia se intensifica nesses momentos”, detalhou.
Na LMP 2025, o Irã aparece na 9ª posição entre os 50 países que mais perseguem os cristãos. Nessa república islâmica, a conversão ao Cristianismo é proibida e os convertidos recebem longas penas de prisão, especialmente quando descobertos os cultos que organizam nas chamadas igrejas domésticas.
“O governo iraniano agora está prendendo qualquer pessoa flagrada tirando ou compartilhando fotos e vídeos com a imprensa. Os cristãos são especialmente vulneráveis, pois correm o risco de serem acusados de espionagem e considerados ameaça à segurança nacional”, afirmou à Portas Abertas um cristão perseguido no Irã.
“Neste período de conflitos entre os dois países, os cristãos iranianos temem ser acusados de estarem a favor dos Estados Unidos, uma vez que a religião cristã é vista como ocidental e perigosa ao país”, comentou Marco Cruz.
O secretário-geral da Portas Abertaslembrou, ainda, que “a hostilidade aos cristãos em Israel também se intensifica com conflitos não apenas contra o Irã, como também contra o Hamas, em Gaza. A resposta a bombardeios, que podem ocorrer em zona civil, afeta a todos, mas, novamente, os cristãos estão duplamente vulneráveis, pois já são perseguidos no país”.
TODO O ORIENTE MÉDIO EM ALERTA

Neste momento de conflito aberto entre as duas nações, os cristãos em todo o Oriente Médio temem ser vítimas de ataques. Em 22 de junho, na Igreja Mar Elias, na Síria, 25 pessoas morreram e 63 ficaram feridas após um homem-bomba detonar um colete explosivo em uma igreja greco-ortodoxa. As autoridades sírias atribuíram o ataque ao Estado Islâmico, mas um grupo autodenominado Saraya Ansar al-Sunna assumiu a autoria, dizendo ser uma resposta a “uma provocação”, sem dar mais detalhes a respeito.
“Sempre que há um conflito entre dois países ou quando se acentua a questão política e o conflito interno de determinado país, os outros todos ficam em alerta, principalmente os cristãos, pois a iminência de um conflito ou de ataques extremistas é muito grande. E é o que vem acontecendo no Oriente Médio. Desde os conflitos entre Israel e Hamas e agora entre Israel e Irã, os ataques e a pressão contra cristãos se acentua em países como Síria, Iraque, Jordânia. Foi o que vimos recentemente com este ataque na Síria. Apesar da perseguição no país nunca ter cessado, e a pressão não ter cedido, mesmo com o novo governo prometendo que não perseguiria as minorias religiosas no país, os ataques de grupos extremistas são recorrentes”, explicou Marco Cruz.
Também o Cardeal Louis Raphael Sako, Patriarca dos Caldeus, no Iraque, declarou à agência Fides, em 25 de junho, que todos no Oriente Médio têm vivido “momentos difíceis de preocupação e medo. O mundo perdeu sua ordem internacional. Devemos recuperar o sentido comum e refutar o discurso de ódio, a violência e a guerra. É pecado destruir a vida e o que foi construído. A paz é um dom. Devemos acolhê-lo e protegê-lo com empenho, fazendo a busca da paz um autêntico compromisso de vida”.
(Com informações de Vatican News, Asia News, Fides e Portas Abertas)
Leão XIV: ‘Como se pode acreditar que as ações bélicas trazem paz?’

Em audiência com os participantes da Reunião das Obras para a Ajuda às Igrejas Orientais, em 26 de junho, o Papa Leão XIV lamentou que “a violência bélica parece abater-se nos territórios do Oriente cristão com uma veemência diabólica jamais vista”.
Leão XIV afirmou ser desanimador “ver que a força do direito internacional e do direito humanitário já não parece obrigar, substituída pelo presumível direito de obrigar os outros com a força”, e indagou: “Como se pode acreditar, após séculos de história, que as ações bélicas trazem a paz, sem se voltar contra aqueles que as travaram? Como se pode pensar em lançar as bases do amanhã sem coesão, sem uma visão de conjunto animada pelo bem comum? Como se pode continuar a trair os desejos de paz dos povos com as falsas propagandas do rearmamento, na vã ilusão de que a supremacia resolve os problemas em vez de alimentar o ódio e a vingança?”.
O Papa exortou os cristãos em todo o mundo a rezarem pelos povos em conflito – “Compete a nós fazer de cada notícia e imagem trágica que nos atinge um clamor de intercessão a Deus” – e aos fiéis que estão no Oriente Médio que continuem a dar seu testemunho de fé – “Gostaria de agradecer e abraçar idealmente a todos os cristãos do Oriente que respondem ao mal com o bem”. Na oração do Angelus de 22 de junho, o Pontífice já havia ressaltado que “a humanidade grita e implora paz. É um grito que reclama responsabilidade e sensatez, e que não deve ser abafado pelo fragor das armas e pelas palavras retóricas que incitam ao conflito. Cada membro da comunidade internacional tem uma responsabilidade moral: travar a tragédia da guerra antes