
A Via-Sacra ou Via Crucis (Caminho da Cruz) é uma das mais antigas e significativas práticas de piedade cristã, valorizada, especialmente, no tempo quaresmal. Seu percurso, marcado por 14 estações, reflete o caminho de Jesus rumo ao Calvário, permitindo aos fiéis meditar sobre Sua Paixão e Morte.
Essa devoção teve início no século XIII, quando os frades franciscanos da Custódia da Terra Santa começaram a guiar peregrinos ocidentais em Jerusalém. Durante a caminhada, eram feitas paradas para reflexão e oração, trazendo à memória as passagens do Evangelho.
Com o tempo, consolidaram-se as 14 estações, algumas baseadas diretamente nos textos sagrados e outras na tradição cristã. O percurso original inicia-se no que seria o pretório de Pilatos e se estende até a Basílica do Santo Sepulcro, na Cidade Velha de Jerusalém. Até os dias de hoje, a Via-Sacra é realizada semanalmente por fiéis e frades franciscanos na Terra Santa, mesmo fora do período quaresmal.
Diante da impossibilidade de muitos cristãos realizarem a peregrinação à Terra Santa, o franciscano São Leonardo de Porto Maurício, no século XVIII, popularizou a prática de marcar 14 estações em diversas cidades italianas. Essa iniciativa se espalhou e tornou a Via-Sacra um exercício espiritual acessível a todos.
RECONHECIDA PELA IGREJA
A Via-Sacra é mais do que uma recordação do sofrimento de Cristo; ela é um chamado à compaixão e à misericórdia, especialmente em um mundo marcado por desigualdades, violência e indiferença. O Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos reconhece essa prática como a mais popular entre os fiéis no que se refere à veneração da Cruz.
A Igreja concede a indulgência plenária aos fiéis que percorrem a Via-Sacra meditando cada estação, seja diante das representações, seja diante de um crucifixo. Para obter essa graça, é necessário cumprir três condições: confissão sacramental, comunhão eucarística e oração nas intenções do Papa.
MEDITAR A PAIXÃO
A Via-Sacra reforça um costume que remonta às origens do Cristianismo: a meditação da Paixão, quando os fiéis de Jerusalém da “primeira hora” guardavam uma lembrança inesquecível dos sofrimentos de Jesus, pois estiveram presentes no Calvário. Os evangelistas dedicaram boa parte dos seus textos à narrativa detalhada daqueles acontecimentos.
Foi a partir da meditação da Paixão que os grandes santos encontraram coragem e força para suportar as tribulações, os tormentos e a morte. São esses mesmos santos que ensinam que se o cristão deseja progredir na virtude, deve lançar cada dia ao menos um olhar sobre a Paixão do Redentor.
O Catecismo da Igreja Católica (CIC) ressalta que a Igreja nunca cessa de recordar que “a obra mais excelente da misericórdia de Deus foi a justificação que nos foi merecida pela Paixão de Cristo” (CIC 2020), e recomenda que o cristão deve meditá-la regularmente (cf. CIC 2707).
A EXEMPLO DOS SANTOS
Foram muitos os que se converteram, ao longo da história, meditando a Paixão do Senhor. Santo Tomás de Aquino dizia: “Basta a Paixão de Cristo para servir de guia e modelo para toda a nossa vida”. Conta-se que, visitando um dia São Boaventura, Santo Tomás perguntou-lhe de quais livros tinha ele tirado a doutrina tão boa que expunha nas suas obras. São Boaventura mostrou-lhe a imagem de Jesus crucificado, toda enegrecida pelos muitos beijos que lhe imprimira, dizendo-lhe: “Eis o meu livro, de onde tiro tudo o que escrevo; ele ensinou-me o pouco que eu sei”.
Santo Agostinho afirmava que “não há coisa mais apropriada para nos fazer adquirir a salvação eterna do que a lembrança cotidiana dos sofrimentos de Jesus Cristo”.
Santo Afonso Maria de Ligório ensinava que não há prática espiritual mais frutuosa do que considerar os sofrimentos do Salvador. A recordação da Via-Sacra também conduz à imitação das virtudes de Cristo, levando o fiel a um maior amor a Deus e às obras de misericórdia.
COMO REZAR?
A Via-Sacra pode ser rezada de diversas formas: em procissão nas ruas, nas igrejas, em grupos de oração ou até mesmo individualmente. Nesse sentido, os fiéis são convidados a vivenciar essa prática não apenas durante a Quaresma, mas como parte de sua espiritualidade cotidiana.
Ao percorrer esse caminho espiritual, cada cristão é chamado a refletir sobre o significado do sofrimento e do amor redentor de Cristo, encontrando, na cruz, força e esperança para enfrentar os desafios da vida e a corresponder ao chamado de Deus à santidade.
