Via Sacra da Criança e do Adolescente ressalta o valor de diálogo e denuncia violações de direitos

Atividade realizada há mais 30 anos pela Pastoral do Menor aconteceu de modo on-line em 2021 em razão da atual pandemia

Exibição do vídeo da Via Sacra da Criança e do Adolescente é antecedida de uma live (Reprodução da internet)

Uma semana antes da Sexta-feira Santa, já é tradição na Arquidiocese de São Paulo que crianças e adolescentes de colégios católicos e de obras sociais apoiadas pela Pastoral do Menor saíam às ruas da região central da cidade para anunciar a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo  e denunciar as situações em que seus direitos são violados.

Entretanto, este ano, assim como aconteceu em 2020, a Via Sacra da Criança e do Adolescente foi realizada de modo on-line, em virtude da atual pandemia de COVID-19. O tema foi o mesmo da Campanha da Fraternidade Ecumênica “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”, bem como o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”(Ef 2,14a).

“Nesta via crucis, queremos nos unir em oração por todas as vítimas da COVID-19 e por todos os profissionais da linha de frente, em especial os da Saúde, que dedicam as suas vidas a serviço do próximo. Pedimos perdão, Senhor, pela falta de investimento na Saúde pública, aumentando ainda mais o peso da cruz dos irmãos que padecem, suplicando atendimento médico”, consta no começo do vídeo da via sacra deste ano.

As gravações, feitas antes da atual fase mais crítica da pandemia em São Paulo, envolveram crianças e adolescentes que participam de projetos sociais apoiados pela Pastoral do Menor. Eles interpretaram nas cinco estações da via sacra (leia mais abaixo) situações de violação da dignidade dos mais jovens e de suas famílias.

Garoto Emanuel interpreta Jesus Cristo durante as gravações do vídeo da via sacra (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

“A Via Sacra da Criança e do Adolescente tem sido um momento de anúncio do Deus Salvador, que está entre nós, mas, também, uma ocasião forte de denúncia em relação às violações dos direitos das crianças e dos adolescentes”, ressaltou Sueli Camargo, coordenadora da Pastoral do Menor da Arquidiocese, que ao lado de Ivan Bezerra, agente da Pastoral, conduziu uma live antes da exibição do vídeo.

A esperança em Cristo

Um dos participantes desse momento inicial foi Dom Carlos Silva, OFMCap, Bispo Auxiliar da Arquidiocese e Referencial arquidiocesano das Pastorais Sociais. Ele lembrou que atual pandemia tem levado crianças e famílias inteiras a condições deploráveis de vida e que é missão da Igreja estar ao lado dos que mais sofrem e renovar-lhes a esperança em Cristo.

“Sabemos que depois de todo o sofrimento vem a vida nova, a ressurreição. O caminho pode ser longo, duro, doloroso, mas depois da cruz vem a luz. Sabemos que a vida é mais forte que a morte, que a graça é muito maior que o pecado, que o amor é muito melhor que o ódio. Devemos tocar nesta cruz e aprender de Jesus tudo isso, mas podemos deixar nela também algo: a nossa esperança, que nos move, nos faz caminhar, nos faz crer que vale a pena dar a vida, como Deus deu a vida, e é por isso celebramos a Paixão de Cristo”, disse o Bispo.

O Prelado ressaltou, ainda, que na cruz de Cristo todos encontrarão “um coração aberto, que nos compreende, nos ama, nos perdoa e que pede que levemos este mesmo amor para a nossa vida, para amar a cada irmão e  irmã. Somos convidados a isso, especialmente neste tempo em que a Campanha da Fraternidade nos pede abertura, ecumenismo, diálogo, de forma particular com os menores e adolescentes que sofrem tanto quanto outras vítimas, mas como são mais vulneráveis, necessitam muito mais do nosso apoio, carinho, oração, compreensão, do nosso serviço e da nossa entrega”.

Frei Marx Rodrigues conduziu um momento de oração a partir da capela franciscana em São Paulo. Ele apontou que o amor que o cristão recebe de Deus deve conduzir ao diálogo com o próximo e permitir que se encontrem caminhos para superar as situações de sofrimento.

Também participaram deste momento inicial de reflexões o Frei Thiago Soares; a senhora Olivia Luiz de Sousa, responsável pelo CCA Jardim Vista Alegre, na Região Brasilândia; o menino Emanuel, que interpretou Jesus no vídeo da via sacra e a senhora Marilda dos Santos Lima, coordenadora nacional da Pastoral do Menor.

“Nestes tempos de dores, lágrimas, sofrimento e perdas, estamos passando pelos mesmos sentimentos do povo de Deus nos tempos de exílio e cativeiro. São muitas provações, mas este tempo renova a nossa espiritualidade a nossa paixão por Jesus Cristo Ressuscitado. A via sacra é sempre um sinal profético com as vozes das crianças, dos adolescentes, das suas famílias, das comunidades periféricas e do centro da cidade, cheias de marcas e de chagas do Nosso Senhor Jesus Cristo”, afirmou Marilda.

Diálogo: atitude de escuta ao outro

O vídeo da Via Sacra da Criança e do Adolescente 2021 é iniciado com a mensagem do Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, que aponta para o valor do diálogo ao longo da história e na atualidade.

Cardeal Scherer na abertura do vídeo da via sacra (foto: Reprodução da internet)

“O diálogo é a atitude de escuta do outro, de respeito ao próximo e de tentar entender as suas razões. Não necessariamente eu preciso renunciar ao que acredito, mas sempre é possível dialogar com quem pensa diferente. É algo necessário em todas as circunstâncias da vida. Dialogar com quem pensa como nós é muito fácil. É oportuno e necessário, porém, dialogar com quem pensa diferente de nós”, afirmou, apontando que no diálogo não é preciso que haja ofensa ou o convencimento do próximo.

“Lembro-me de um ditado de um grande sábio, Santo Agostinho, que no século V dizia: ‘No essencial, devemos ter unidade. No secundário, liberdade; mas em tudo, caridade’. Na via sacra do menor deste ano, lembremo-nos das muitas situações em que o diálogo se faz necessário também entre as crianças e os adolescentes, na família e entre outros grupos. Se nós formos uma comunidade mais dialogante, vamos superar nossas violências, brigas, e teremos uma convivência muito melhor”, ressaltou o Arcebispo de São Paulo.

Os alertas de cada estação

Na sequência do vídeo foram apresentadas cinco estações, com alertas sobre situações de violações de direitos.

1a Estação: Jesus é condenado à morte – é lembrado que Cristo sempre esteve ao lado dos oprimidos e criticou veementemente o desrespeito aos mais pobres. São recordadas situações recentes de agressões a crianças e adolescentes, condenados à morte, assim como Jesus, mas sem que lhes tenha sido garantido suprir  necessidades básicas de saúde, cultura, educação e moradia. “Jesus de Nazaré, não permita que a nossa juventude seja condenada à morte, ajuda-nos a promover a vida integral e a sermos construtores de um mundo de paz”, consta na súplica que conclui essa estação.

2a Estação: Jesus é flagelado – Assim como após ser condenado Jesus é açoitado, as famílias de crianças e adolescentes mais pobres são as que mais têm sofrido com uma economia que exclui e que, por muitas vezes, faz uso do trabalho infantil, algo  amplificado nesta pandemia. Na oração conclusiva desta estação este é o pedido:  “Jesus de Nazaré, nos ensine a compartilhar da cruz dos nossos irmãos que sofrem; nos ajude a buscar o poder que vem do alto, para que possamos promover a paz na terra”.

3ª Estação: Jesus consola as mulheres de Jerusalém –  neste ponto se recorda que Cristo sempre teve uma atitude de respeito e caridade com as mulheres. Atualmente, porém, a falta de diálogo gera violência. Apenas no 1o semestre de 2020, um total de 1.890 mulheres foram mortas no Brasil. “Jesus de Nazaré, vós que olhais para aqueles que sofrem, pelos que choram devido à maldade humana, nós vos rogamos: concedei-nos a paz e a unidade”, é a súplica ao final desta estação.

4a Estação: Jesus é pregado na cruz – Tomado pela dor e sofrimento, Jesus pede a Deus que perdoe a humanidade. Nesta estação, se aponta que a falta de diálogo é prejudicial para a dignidade de vida, o que pode ser percebido diante do fato de crianças e adolescentes serem maltratados nas ruas do centro e das periferias da cidade, além de adolescentes e jovens cooptados pelo tráfico e a prostituição. Diante disso, os cristãos são chamados a se mobilizar para assegurar os direitos das crianças e adolescentes. “Jesus de Nazaré, ensinai-nos o vosso caminho, para que possamos nos aproximar daqueles que sofrem, neles reconhecer o rosto de Deus e ajudá-los a descer da cruz”, é a prece conclusiva.

5a Estação: Jesus morre na cruz – Recorda-se que o Cristo morto é entregue nos braços da Virgem Maria e que ainda hoje muitas mães também se veem diante de seus filhos mortos por situações de violência, balas perdidas ou mesmo pela fome. Diante dessa realidade, o cristão deve sentir as dores dos que sofrem. “Jesus de Nazaré, ajude-nos a seguirmos em frente, a sermos resilientes e nos indignarmos com a opressão e a sermos exemplos concretos de uma prática social que busque o bem da coletividade”, é a súplica nesta estação.

A ressurreição – na conclusão da via sacra é recordado que “Cristo é a nossa paz”. Ele ressuscitou e é essa forte mensagem que deve ser anunciada em meio a pandemia, no sentido de que aqueles que Nele creem não estão sozinhos nas situações de sofrimento e que a cruz do Senhor é um chamado para se buscar o caminho do diálogo e o compromisso de amor.

Dialogar e denunciar

O vídeo é concluído com a bênção final de Dom Odilo e uma mensagem na qual ele reforça o papel do diálogo para a construção de um mundo mais fraterno.

“No final dessa via sacra, vamos pedir a Deus que nos abençoe e nos dê a força de sermos respeitosos uns com os outros, de dialogar, de aceitar a ouvir o outro, com tranquilidade, e que o outro também nos ouça. O diálogo supõe espírito desarmado, coração desarmado para dialogar. Deus estende a mão a todos, nos chama ao diálogo do perdão, da misericórdia, do amor, da ternura e ao diálogo da vida”, conclui o Arcebispo.

Após a exibição do vídeo, Dom Carlos Silva exortou os fiéis a não perder a esperança: “Vale a pena lutar pelo Reino de Deus. Nós cremos, sabemos que a vida é muito mais forte que a morte, acreditamos no Deus da vida e estamos com Ele neste projeto do qual nós fazemos parte”.

Sueli Camargo voltou a destacar a dupla atuação da Pastoral do Menor: o anúncio e a denúncia. “A dimensão de denúncia que veio nesta via sacra, esperamos que chegue aos ouvidos de todos e que transforme uma realidade de morte em uma realidade de ressurreição, de vida”, concluiu.

Homenagem

Sueli Camargo e Ivan Bezerra na sede da Pastoral do Menor em São Paulo (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

No começo da atividade on-line desta sexta-feira, Sueli Camargo fez memória ao desembargador Antônio Carlos Malheiros, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que faleceu no dia 17 deste mês.  

“Ele era tão próximo, que nos momentos de dificuldades íamos ao seu encontro. Sempre nos orientou, nos apoiou e fez a defesa das crianças e dos adolescentes. Sempre colocou o Tribunal de Justiça de São Paulo à disposição da Pastoral do Menor”, recordou.

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