Vigilância sanitária encontra na zona sul de São Paulo inseto transmissor da Doença de Chagas

Para especialista, presença de barbeiro infectado com Trypanosoma cruzi desperta alerta para mudança no padrão de transmissão da enfermidade; unidades básicas de saúde orientam moradores a estarem atentos à presença de insetos suspeitos, que devem ser coletados e encaminhados à unidade mais próxima.

Foto: Deposit Photos  

Um inseto barbeiro infectado com o protozoário Trypanosoma cruzi foi encontrado pelo serviço de vigilância da cidade de São Paulo em um domicílio localizado no bairro do Ipiranga, zona sul da capital. O microorganismo é causador da Doença de Chagas, uma zoonose que, quando não tratada adequadamente, pode causar insuficiência cardíaca e problemas em órgãos do trato digestivo. Para a pesquisadora em zoonoses e saúde pública Simone Lucheis, o episódio acende um alerta sobre a mudança dos padrões dessa zoonose, que estariam migrando de ambientes silvestres para o urbano.

A Secretaria de Saúde da cidade de São Paulo foi contactada pela reportagem e não respondeu a tempo dessa publicação. Assim que houver uma comunicação por parte do órgão, a nota será atualizada.

A transmissão vetorial domiciliar da Doença de Chagas no estado de São Paulo é considerada sob controle desde a década de 70. O último caso de transmissão vetorial em domicílio no estado foi registrado no município de Botucatu, em 2006. Esse tipo de transmissão se caracteriza por ocorrer no interior e no entorno das residências, quando o barbeiro, no ato da picada, deposita as fezes na pele e o indivíduo, ao se coçar, acaba introduzindo o Trypanosoma cruzi na corrente sanguínea. Ainda que, em 2014, o estado de São Paulo tenha recebido o certificado de eliminação do território paulista do Triatoma infestans, que foi o principal vetor da Doença de Chagas durante décadas, existem mais de cem espécies de triatomíneos que se alimentam de sangue (hermatófagos) e podem transmitir o Trypanosoma cruzi. Além disso, a pesquisadora explica que, ultimamente, a transmissão oral também tem recebido a atenção dos especialistas. Ela ocorre principalmente quando os alimentos são contaminados com fezes e urina de insetos barbeiros infectados pelo T. cruzi.

Por isso, afirma Simone, é importante proceder a uma busca ativa e uma vigilância epidemiológica constante para a presença destes insetos e seus ninhos nas residências e nos entornos, bem como a educação em saúde, para o esclarecimento da doença junto à população. Recomenda-se, ainda, o encaminhamento de triatomíneos para as unidades básicas de saúde, a fim de identificação pelos órgãos competentes.

Simone vem estudando o Trypanosoma cruzi e a Doença de Chagas desde o seu doutorado, no início dos anos 2000. A pesquisadora, que colabora no Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Unesp de Botucatu e no Programa de Doenças Tropicais da mesma universidade, explica que pesquisas recentes têm apontado que as espécies hospedeiras do protozoário têm migrado do ambiente silvestre para o urbano e periurbano, aumentando assim a exposição da população à doença. Essa mudança tem relação com o impacto causado pela ação humana no meio-ambiente, como o desmatamento e o desequilíbrio ecológico. Além do próprio ser humano, diferentes espécies animais, como primatas não humanos, gambás, roedores e coelhos, além de animais domésticos como o cão e o gato, também podem se infectar e servir de hospedeiro para o Trypanosoma cruzi, o que faz da doença de Chagas uma zoonose (doença compartilhada entre o ser humano e os animais).

Simone lembra ainda que a Doença de Chagas tem um perfil semelhante ao daquelas moléstias conhecidas como doenças negligenciadas, que costumam receber pouca atenção do poder público. Isso pode transmitir a ideia de que seja algo sob controle. “Entretanto, no ano passado, no Hospital das Clínicas de Botucatu, identificamos mais de 70 casos positivos de Doença de Chagas em pessoas que estavam querendo doar sangue e não sabiam que estavam infectadas”, afirma a pesquisadora. Nestes caso, a infecção pode ter ocorrido por outra via que não a vetorial, ou em outros estados. Atualmente, a doença pode ser tratada com remédios em sua fase inicial, daí a importância de um diagnóstico precoce.

Por Marcos do Amaral Jorge

Fonte: Jornal da Unesp

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