Na revisão do Código, Papa Francisco aplica espírito pastoral que marca suas reformas

Conteúdo atualizado do Livro VI do documento foi anunciado pelo Vaticano no dia 1o e entrará em vigor em 8 de dezembro

Foto: Vatican Media

O processo que levou à revisão do Código de Direito Canônico – a maior desde 1983 – não é de agora. Ele se insere em um longo caminho de consultas a especialistas nas leis da Igreja que vem desde o pontificado do Papa Bento XVI. Entretanto, a ênfase dada pelo Papa Francisco na publicação dos resultados é a mesma das reformas que vem realizando nas instituições da Cúria Romana e no Vaticano.

Em sua constituição apostólica Pascite gregem Dei, o Papa deixa claro que sua abordagem aos temas da lei é pastoral: “O Pastor é chamado a exercitar seu dever por meio de conselhos, persuasões, exemplos, mas também com autoridade e poder sagrado”, diz ele, citando a constituição dogmática Lumen gentium, do Concílio Vaticano II.

As regras da Igreja servem para “manter unido o povo de Deus” e orientar a missão dos bispos, responsáveis por guiá-lo e por “apascentar o rebanho”. Por isso mesmo, as normas não devem ter caráter apenas de punição, mas de manifestação da “materna misericórdia da Igreja, que sabe ter sempre como finalidade a salvação das almas”, diz o Pontífice.

Desse modo, as alterações no Livro VI do Código, afirma Francisco, servem para que os pastores possam aplicar melhor, “com justiça e misericórdia”, as penas que sejam necessárias para orientar o caminho dos fiéis.

Um contexto de reformas

A ideia de “reformar a Igreja” vem marcando o pontificado de Francisco, em parte por sua visão eclesial, mas também porque essa foi uma orientação dos cardeais que o elegeram em 2013.

Pouco antes daquele conclave, em um discurso nas congregações que o preparavam, o então Cardeal Jorge Mario Bergoglio dizia que a Igreja precisava sair rumo às periferias existenciais, deixar de ser autorreferencial e abandonar qualquer resquício de “mundanidade espiritual”, ou seja, de materialismo. Era preciso que Cristo, Bom Pastor, saísse ao encontro do povo.

Ele vem buscando imprimir esse caráter na Cúria Romana. Após a eleição, uma de suas primeiras medidas foi formar o Conselho de Cardeais, conhecido como C9, que se reúne esporadicamente para aconselhá-lo no processo de reforma. Também essa medida nasceu como proposta nas congregações pré-conclave.

Desde 2014, eles começaram a revisar a constituição apostólica Pastor bonus, promulgada por São João Paulo II em 1988, o regimento da Cú- ria. A nova constituição, ainda em redação, vem sendo chamada de Praedicate evangelium.

Logo em seguida, foram reorganizados alguns dicastérios da Cúria, isto é, as instituições que ajudam o Papa a governar a Igreja desde Roma. Dali, Francisco já deixou claro que o correto é que a Cúria “esteja a serviço da Igreja universal e das igrejas locais”, e não o contrário.

Temas propostos

Francisco já está no nono ano de pontificado, de modo que suas reformas se tornam cada vez mais consolidadas e cada vez mais difíceis de enumerar. No contexto dos objetivos pastorais dessas reformas, três grandes temas se destacam: a reforma das finanças, a reforma das comunicações e a reforma das estruturas que tratam dos temas de abuso de menores e pes- soas vulneráveis.

No âmbito das finanças, Francisco criou a Secretaria para a Economia, atualmente liderada pelo Padre jesuíta Juan Antonio Guerrero. O principal objetivo dessa reforma é unificar e organizar as finanças do Vaticano, dando-lhes mais transparência e adequando-as aos padrões internacionais. Busca-se evitar desvios, corrupção e má gestão dos recursos da Igreja. Esporadicamente, auditorias externas fiscalizam as contas e propõem mudanças.

No tema das comunicações, o Papa criou o Dicastério para a Comunicação, o primeiro da história dirigido por um homem leigo, o jornalista italiano Paolo Ruffini. Foram feitas alterações nas atividades, de forma a unificar setores administrativos e centralizar a linha editorial em uma equipe de coordenação. Esta supervisiona todos os órgãos de comunicação do Vaticano, entre eles o site Vatican News, a Rádio Vaticano, o serviço de imagens e o jornal L’Osservatore Romano. Eles devem servir cada vez mais às igrejas locais, projetando o Papa e o Vaticano no mundo.

Sobre a questão dos abusos de menores e pessoas vulneráveis, Francisco deu passos decisivos, além de gestos pessoais (como encontrar e ouvir vítimas em privado). Um dos mais importantes foi a criação da Pontifícia Comissão para Tutela dos Menores, em 2014. O grupo de consultores orienta a ação da Igreja na prevenção e no combate aos abusos. Em 2019, convocou um encontro internacional de bispos sobre o tema. Publicou-se um manual, em 2020, sobre como eles devem lidar com denúncias, entre outras medidas.

A tudo isso soma-se um fortalecimento do Sínodo dos Bispos, instituição que coloca em diálogo o Papa, os bispos e o povo de Deus, que “caminham juntos”. Abrindo-se a um modelo mais consultivo, Francisco pretende dar espaço a uma Igreja menos “piramidal” e mais “sinodal”, como ele mesmo costuma dizer.

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