Uma conversa com São Pedro e São Paulo: testemunhas da fé em Cristo mediante a própria vida

Vatican Media

POR DANIEL GOMES E JOSÉ FERREIRA FILHO

Aproxima-se a celebração da Solenidade de São Pedro e São Paulo, santos considerados as colunas da Igreja.

Pedro foi escolhido por Jesus como fundamento do edifício eclesial, pastor do rebanho santo, confirmador dos irmãos e, na sua pessoa e nos sucessores, o sinal visível da unidade e da comunhão. Paulo teve como missão levar a boa-nova de Cristo aos povos e, por meio de sua determinação, mostrou que não mediu esforços para difundir a salvação divina aos gentios. Ambos selaram com a própria vida o seu testemunho ao Mestre.

O SÃO PAULO apresenta a seguir a simulação de uma entrevista com os dois apóstolos, tendo como referência os livros bíblicos do Novo Testamento, nos quais há relatos de suas experiências de fé em Cristo e como evangelizadores. Com este recurso comum ao jornalismo literário, pelo qual um fato verídico é apresentado em formato criativo – neste caso, com perguntas fictícias –, busca-se proporcionar ao leitor um contato mais próximo com o legado dos apóstolos Pedro e Paulo.

O SÃO PAULO Para começar, gostaríamos que cada um falasse um pouco de como foi o chamado para seguir a Cristo.

São Pedro – Meu irmão, André, e eu éramos pescadores lá no Mar da Galileia. Um dia, Jesus apareceu e nos disse: ‘Sigam-me e eu farei de vocês pescadores de homens’. Nós, então, deixamos as nossas redes imediatamente e O seguimos (cf. Mt 4,18-22).

São Paulo – Certo dia, ainda como perseguidor dos cristãos, estava a caminho de Damasco, acompanhado de amigos, porque queria colocar alguns seguidores de Cristo na prisão. De repente, uma luz brilhante vinda do céu me envolveu, a ponto de me fazer perder a visão, e caí no chão. Ouvi uma voz que me dizia: “Saulo, Saulo – este era meu nome –, por que me persegues?” Sem entender nada, perguntei: “Quem és, Senhor?” Respondeu-me Ele: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues”. Muito trêmulo e surpreso, questionei-o sobre o que devia fazer. Ele me respondeu que eu devia me levantar, entrar na cidade e, então, me seria dito o que fazer. Como não podia enxergar nada, fui conduzido a Damasco pelos homens que me acompanhavam. Depois de três dias sem ver nem comer e beber, em que refleti muito, tive um encontro com Ananias, que impôs as mãos sobre mim e, em seguida, recobrei a visão, fiquei cheio do Espírito Santo e fui batizado (cf. At 9, 1-17). Des- de então, tudo mudou e passei a seguir Nosso Senhor.

E quando vocês perceberam que haviam se tornado discípulos do Salvador?

São Pedro – Para mim essa percepção veio logo. Pouco depois que comecei a segui-Lo, Ele foi a minha casa e curou a minha sogra, que estava acamada e com febre. Naquele mesmo dia, Ele ainda curou muitas pessoas que estavam doentes e expulsou demônios. (cf. Mc 1,29-34). E não dá para esquecer o episódio da pesca milagrosa. Jesus subiu na minha barca lá no Lago de Genesaré, pediu que nos afastássemos um pouco da multidão e disse: “Avancem para as águas mais profundas e lancem as redes para a pesca”. Tinha sido um dia ruim, não tínhamos pescado nada ainda, mas seguimos a ordem do Mestre e a pesca foi tanta que as redes até arrebentaram. Naquela hora, eu me atirei aos seus pés, e Ele reafirmou aquilo que havia dito quando chamou a mim e aos demais para sermos seus discípulos: “De hoje em diante, vocês serão pescadores de homens” (cf. Lc 5,1-10).

São Paulo – Sem dúvida alguma, além do encontro com o Senhor, considero que o Batismo foi um divisor de águas na minha história, pois, de perseguidor de cristãos, me tornei um anunciador de Cristo: depois de ter sido batizado, eu me recolhi por um tempo no deserto da Arábia, voltei a Damasco e comecei a proclamar pelas sinagogas que Ele é o Filho de Deus. Embora tenha despertado a desconfiança e a ira em muitos judeus por causa da mudança radical em minha conduta, a ponto de quererem me tirar a vida, fui conduzido a Jerusalém pelos discípulos e, com a ajuda de Barnabé, depois de três anos da minha conversão, conheci Pedro, me juntei aos apóstolos, regressei a Tarso e comecei a pregar com coragem o nome do Senhor e a propagar a Sua Palavra, passando a ser chamado de Paulo (cf. At 9,18-28, At 13,9.16-41 e Gl 1,13-18).

São Pedro, andar sobre as águas foi algo que mostrou que o senhor acreditava mesmo em Cristo. Deu um certo medo?

São Pedro – Nossa barca já estava distante da terra, as ondas eram fortes e o vento intenso. No meio da madrugada, vimos alguém andando sobre as águas. Na verdade, até pensamos que seria um fantasma, mas logo Cristo nos disse: “Coragem! Sou eu. Não tenham medo”. Ouvindo isso, eu disse a Jesus: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água”. Ele disse para eu ir. Então, desci da barca e passei a andar sobre as águas, em direção a Jesus. Só que, de fato, fui tomado pelo medo e comecei a afundar, mas Jesus logo me estendeu a mão e evitou o pior. “Homem fraco na fé, por que você duvidou?”, me lembro bem que Ele disse isso assim que voltamos à barca. (cf. Mt 14,22-32).

São Paulo, qual foi a maior contribuição do senhor para tornar o nome e os ensinamentos de Cristo mais conhecidos?

São Paulo – Como os cristãos eram perseguidos na Terra Santa e se espalhavam por diversos territórios, começou a surgir, primeiramente em Antioquia, na Síria, e depois em outros lugares, a necessidade de levar o Evangelho não apenas aos judeus, mas também aos gentios. Assim, além de sempre ter reconhecido a Tradição como algo sagrado e que devia ser observado, acredito que minhas viagens missionárias e as cartas que escrevi às diversas comunidades e pessoas, ao longo de 11 anos de apostolado, se tornaram uma fonte de ensinamentos sobre a mensagem do Senhor e uma grande contribuição para que o Cristianismo se tornasse conhecido (cf. At 13,1-4; At 14,1; At 14, 20-27; At 15,37- 40 e At 16,9).

Para as novas gerações, chamam a atenção algumas imagens clássicas que os retratam. São Pedro, aquela chave na mão do senhor tem qual significado?

São Pedro – Cristo quis saber quem nós, seus discípulos, achávamos que Ele era. E eu não tive dúvidas em responder: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”. Eis que Ele me respondeu: “Você é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso, eu lhe digo: Você é Pedro, e sobre essa pedra construirei a minha Igreja, e o poder da morte nunca poderá vencê-la. Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu, e o que você desligar na terra será desligado no Céu” (cf. Mt 16,5-19). Este é o sentido da chave e por isso sou considerado o primeiro papa da Igreja Católica.

Das muitas vivências como apóstolos de Cristo, quais foram os maiores aprendizados que receberam?

São Pedro – Para mim, o saber perdoar. Lembro-me de quando perguntei: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” E Cristo me respondeu: “Não lhe digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (cf. Mt 18, 21-22). Outra lição foi o desprendimento das coisas deste mundo. Um dia, perguntei a Jesus o que receberíamos em troca por termos deixado tudo para segui-Lo, e Ele me disse que todo aquele que tiver deixado sua casa, sua família, seus bens por causa do nome Dele, receberia muitas vezes mais, com perseguições, e teria como herança a vida eterna (cf. Mt 19, 27-29).

São Paulo – A gratuidade do amor com que somos alcançados por Deus é o que considero mais significativo nos ensinamentos de Jesus. A redenção do homem trazida por Ele, sem o nosso merecimento, é o ponto-chave que mais me marcou para entender a caridade divina, e meu desejo é que todos possam experimentá-la e venham a ser salvos. Para isso, como eu mesmo testemunhei com a própria vida, a vivência da fé, aliada ao desejo de conversão, ou seja, passar do pecado à graça, é essencial para experimentar a plena comunhão com o Senhor (cf. Rm 5,8-11).

São Pedro, por que o senhor negou a Jesus por três vezes?

São Pedro – Primeiro, é preciso entender que estamos falando do Filho de Deus, que já sabia que isso ia acontecer. Só pra recordar: um pouco depois da Última Ceia, Jesus Cristo e nós fomos para o monte das Oliveiras e Ele nos alertou que em breve ficaríamos desorientados, como ovelhas sem Pastor, mas que depois Ele ressuscitaria. Ao ouvir isso, eu disse a Jesus que jamais O negaria, mas Ele já sabia que não seria assim: “Esta noite, antes que o galo cante, você me negará três vezes” (Mt 26,30-35). E aconteceu: eu estava assustado, tinham acabado de prendê-Lo e levá-Lo ao sumo sacerdote, e uma mulher disse que eu sempre andava com Jesus. Acabei negando; depois, veio outra pessoa dizer que eu era um de Seus discípulos, e eu também neguei; e voltei a fazer isso quando me perguntaram pela terceira vez. No mesmo instante, o galo cantou. Na hora, recordei o que Jesus havia me dito, e chorei, chorei amargamente. (cf. Lc 22, 54-62).

Cristo foi morto e ressuscitou. O quanto esta certeza impulsionou o agir evangelizador da Igreja?

São Pedro – Eu me lembro bem de que no dia de Pentecostes, anunciei a todo o povo de Israel que Jesus de Nazaré foi o homem que Deus confirmou entre eles, realizando milagres, prodígios e sinais, e que Deus permitiu que Cristo fosse entregue e morto numa cruz, mas que ressuscitou, foi exaltado à direita de Deus e recebeu do Pai o Espírito prometido e o derramou entre nós. Aflitos com o que eu havia dito, eles quiseram saber o que teriam de fazer a partir de então, ao que eu lhes disse: “Arrependam-se e sejam batizados em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos pecados; depois, vocês receberão do Pai o dom do Espírito Santo”. Muitos foram batizados naquele dia, cerca de 3 mil pessoas (cf. At 2, 22-24.33.37-41).

São Paulo – A partir da minha conversão, acreditei e passei a pregar que a crença na Ressurreição de Cristo é fundamental para a nossa caminhada de fé, tanto de forma individual quanto comunitária. Do contrário, tudo perderia seu sentido último e até mesmo a existência da Igreja ficaria em xeque e não se sustentaria ao longo do tempo. Afinal, se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns que não há ressurreição de mortos? Se não há ressurreição de mortos, nem Cristo ressuscitou. Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a nossa fé. Além disso, seríamos convencidos de sermos falsas testemunhas de Deus, por termos dado testemunho contra Deus, afirmando que Ele ressuscitou a Cristo, ao qual não ressuscitou (se os mortos não ressuscitam). Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa fé, e ainda estamos em nossos pecados. Também estão perdidos os que morreram em Cristo. Se é só para esta vida que temos colocado a nossa esperança em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos de lástima (cf. 1 Cor 15,12-19).

Quais as principais recomendações que os senhores deram às primeiras comunidades cristãs?

São Pedro – Na carta em que me dirigi aos que viviam como estrangeiros no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (cf. 1 Pd), eu destaquei que apesar das provações que estavam passando, jamais deveriam perder a esperança, pois esta advinha da Ressurreição de Cristo. (cf. 1, 3-5). Também lhes exortei a estar com o espírito pronto para agir, serem sóbrios e colocarem toda a esperança na graça que será trazida quando Jesus se manifestar. (cf. 1,13). Disse-lhes, ainda, que deveriam rejeitar qualquer maldade, mentira, todas as formas de hipocrisia, inveja e maledicência (cf. 2,1). Pedi, por fim, que fossem compassivos, cheios de amor fraterno, misericordiosos e tivessem espírito humilde, não pagando o mal com o mal, nem o insulto com outro insulto, e que praticassem o bem e perseguissem a paz (cf. 3, 8-11).

São Paulo – Como evangelizador, sempre me preocupei em fazer com que as pessoas a quem me dirigi, tanto pessoalmente quanto por minhas cartas, fossem alcançadas em sua realidade diária, qualquer que fosse, pela mensagem de Cristo, a fim de lhes proporcionar discernimento e força em seu caminhar. Assim, exortei-as à necessidade de que fossem agradáveis a Deus e buscassem a santidade de vida, que cultivassem o amor fraterno, que se mantivessem vigilantes e perseverantes (1 Tes e 2 Tes), que tivessem uma conduta digna de filhos e que, entre tantas outras coisas, percebessem a profundidade do amor que Deus tem por todos nós! (1 Cor).

Gostariam de deixar uma mensagem final aos leitores?

São Pedro – Queridos irmãos, revistam-se de humildade no relacionamento mútuo, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá a graça aos humildes. Abaixem-se diante da poderosa mão de Deus, a fim de que no momento certo Ele os levante. Coloquem nas mãos de Deus qualquer preocupação, pois é Ele quem cuida de vocês (cf. 1 Pd 5, 5-7).

São Paulo – Como alguém que enfrentou trabalhos, fadigas, sofrimentos, privações, e perigos e nunca foi desamparado por Deus, devo recordá-los de que nada poderá nos separar do amor de Cristo! Nem a tribulação, a angústia, a fome, a nudez, a espada, nada! Pois, em todas essas coisas, é que somos vencedores pela virtude daquele que nos amou. (Rm 8,35-39).

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