Superar o medo e acabar com o ‘naufrágio da civilidade’

Em viagem à Grécia e a Chipre, o Papa Francisco rezou com refugiados, alertou para a crise da democracia e pediu uma Igreja fraterna para todos

Vatican Media

Está na hora de superar medos sem base na realidade e acabar com o “naufrágio da civilidade”, disse o Papa Francisco, em sua visita ao campo de refugiados de Lesbos, ilha grega, no domingo, 5. Foi a segunda vez que o Pontífice visitou o local e um dos momentos mais marcantes de sua viagem de cinco dias à Grécia e a Chipre.

Francisco retornou a Lesbos cinco anos depois de sua primeira visita, definindo a questão migratória como “um problema do mundo”, e não deste ou daquele país ou continente. Durante a viagem aos dois países, encontrou líderes da Igreja Ortodoxa, com quem estreitou laços de amizade, falou sobre a crise da democracia no mundo e pediu aos católicos que sejam uma comunidade calorosa e fraterna.

A paralisia do medo

Usando palavras do Patriarca Ecumênico Bartolomeu, líder da Igreja Ortodoxa, afirmou aos refugiados que em Lesbos esperam por uma solução definitiva sobre seu destino: “Quem tem medo de vocês não olhou nos seus olhos. Quem tem medo de vocês não viu os seus rostos. Quem tem medo de vocês não vê os seus filhos”.

Em nossas sociedades, o fechamento para o outro, o diferente, é, muitas vezes, resultado do nacionalismo – algo que traz “consequências desastrosas” à humanidade, disse o Papa. Da mesma forma que a vacinação em tempos de pandemia de COVID-19 deve ser entendida como um problema global, também a questão migratória deve ser analisada de forma compreensiva, e não local.

“Não adiantam ações unilaterais, mas políticas de grande fôlego. A história, repito, nos ensina, mas não aprendemos ainda”, completou Francisco. “Que não se delegue sempre aos outros a questão migratória, em uma contínua passagem de responsabilidades, como se a ninguém importassem [as pessoas que migram]”, alertou.

“Superemos a paralisia do medo”, exortou o Pontífice, “a indiferença que mata, o cínico desinteresse que com luvas de veludo condena à morte quem está às margens”. Para isso, é preciso contrastar o “pensamento dominante”, aquele que “gira ao redor do próprio ‘eu’, aos próprios egoísmos pessoais e nacionais”, que viram medida e critério para tudo.

O medo na opinião pública

A manipulação do discurso político que provoca medo foi sinalizada pelo Papa Francisco. “É fácil mobilizar a opinião pública, instigando o medo do outro. Por que não se fala com a mesma força da exploração dos pobres, das guerras esquecidas e ricamente financiadas, dos acordos econômicos feitos sobre a pele do povo, das manobras ocultas para traficar armas e fazer proliferar o seu comércio?”, denunciou.

Segundo o Papa, em vez de condenar as pessoas que migram, é preciso atingir as raízes do problema migratório, e enxergar na política instrumentos para soluções, “ações concretas”, em vez de discursos ainda mais destrutivos.

A democracia perde força

Também na Grécia, cuja antiga civilização estabeleceu as raízes para o sistema democrático que predomina no mundo ainda hoje, o Papa Francisco falou sobre um “recuo” da democracia nos nossos tempos.

Entre as ameaças que ele mencionou na sua viagem de retorno a Roma, estão duas: primeiro, a do nacionalismo que fecha uma nação à riqueza das outras; e, segundo, a criação de identidades ou governos internacionais que apagariam os valores únicos e as liberdades individuais.

Em Atenas, no sábado, 4, ele falou a autoridades civis e diplomáticas sobre uma preocupação: “O recuo da democracia” em alguns países da Europa, sem citar nomes. A democracia “requer participação e envolvimento de todos e, portanto, exige cansaço e paciência”, lembrou o Papa. “É complexa, enquanto o autoritarismo é acelerador e as fáceis seguranças propostas pelos populismos parecem confortantes.

Francisco comentou que muitos povos correm o risco de se deixarem seduzir por um “ceticismo democrático”, para o qual a melhor resposta é um fortalecimento da democracia. “Que à indiferença individualista se oponha o cuidado do outro, do pobre e da criação, pontos essenciais para um humanismo renovado”, disse.

Igreja fraterna e para todos

Além de pedir perdão aos irmãos da Igreja Ortodoxa pelos erros cometidos no passado pelos católicos, em encontro com o Arcebispo Ortodoxo Ieronymos II, também em Atenas, no sábado, Francisco se reuniu com o Santo Sínodo dos ortodoxos em Nicosia, Chipre, na sexta-feira, 3.

Na visita a Chipre, o Papa se apresentou como peregrino, seguidor dos passos dos apóstolos Paulo e Barnabé, os primeiros evangelizadores da região. Essa raiz apostólica comum deve unir as duas Igrejas, disse o sucessor de Pedro. “Temos que caminhar mais intensamente com vocês, irmãos”, declarou.

“Eu lhes asseguro a oração e a proximidade, minha e da Igreja Católica, nos problemas mais dolorosos que vos angustiam, e nas esperanças mais belas e audaciosas que vos animam”, completou. “As tristezas e as alegrias de vocês nos pertencem, e as sentimos como nossas.”

Aos católicos de Chipre, que são uma minoria, o Papa usou a figura de São Barnabé para pregar sobre uma “Igreja paciente” e fraterna, acolhedora de todos. Chamando Barnabé de “apóstolo da paciência, do acompanhamento”, afirmou: “É a paciência de se colocar constantemente em viagem, de entrar na vida das pessoas até então desconhecidas, de acolher as novidades sem julgá-las com pressa, a paciência do discernimento, que sabe acolher os sinais da obra de Deus em tudo, de estudar outras culturas e tradições”.

Aos jovens: dedicar-se ao serviço dos outros

Em encontro com os jovens de Atenas, o Papa deixou seu aviso sobre os riscos da realidade virtual tão presentes em suas vidas. “Não se contentem com encontros virtuais”, disse ele. “Não busquem visibilidade, mas os invisíveis” da sociedade. Ele pediu aos jovens que, como Jesus, se dediquem ao serviço concreto dos que mais precisam. “Servir é o gesto mais bonito, maior de uma pessoa, servir os outros. Mas se você vive prisioneiro de si mesmo, nunca encontrará o outro, nunca saberá o que é servir”, acrescentou. O Papa exortou os jovens a não se deixarem ser “prisioneiros dos celulares”, pois sobre a tela pode faltar o outro, “os seus olhos, o seu respiro, as suas mãos”. Em vez disso, o “ardor de servir” é belo e sempre traz novidades, declarou o Santo Padre

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