Cláudio Pastro: ‘O artista sacro não é um grande especialista em igrejas, mas alguém que tem fé’

Há 5 anos, em 19 de outubro de 2016, morria o artista sacro paulistano Cláudio Pastro

Artista sacro Cláudio Pastro (foto: Eduardo Carrara)

Fosse uma grande basílica ou um pequeno oratório, Cláudio Pastro dava o mesmo valor e atenção ao trabalho realizado. “Ele contava que, quando decidiu que dedicaria toda a sua vida para isso, teve a certeza de que sua meta era conduzir as pessoas para a experiência do encontro com Cristo”, relatou a artista e pesquisadora Hilda Souto.

“Cláudio aprendeu desde cedo que o Cristianismo não é uma doutrina intelectual, mas um fato presente, documentado na experiência da beleza e nos encontros que fazemos ao longo da vida. Quem o conhecia, rapidamente se dava conta de como a beleza e a objetividade do encontro com Cristo dominavam não só sua arte, mas toda a sua vida”, completou a artista.

Dois exemplos concretos dessa marca do trabalho de Cláudio Pastro podem ser encontrados em Mogi das Cruzes (SP), nos mosteiros da Encarnação e da Transfiguração, respectivamente, das monjas e dos monges Beneditinos Camaldolenses.

A Capela do Mosteiro da Encarnação foi inaugurada em setembro de 2013, e levou cerca de dez meses para ser concluída. Seu projeto foi todo idealizado e executado por Cláudio Pastro, que pensou em cada detalhe.

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Capela do Mosteiro da Encarnação, em Mogi das Cruzes (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Espaço do mistério pascal

Na inauguração da capela, o próprio artista apresentou os elementos arquitetônicos e artísticos do templo ao grupo de abadessas beneditinas que veio de várias partes do mundo. Irmã Maria de Lourdes Santos, monja responsável por acompanhar a obra na época, gravou essa aula dada em primeira pessoa.

“Para mim, o mais importante é a ligação entre liturgia e espaço. O arquiteto não é um e a liturgia, outro. O espaço deve servir à liturgia. O artista sacro não é um grande especialista em igrejas, mas alguém que tem fé”, afirmou Cláudio Pastro na ocasião.

Ele também explicou o sentido dos elementos que constituem a capela, a qual definiu como o “espaço do mistério pascal”. A porta, por exemplo, representa Cristo, o novo Adão, por meio do qual se entra no Paraíso. “O altar, na tradição cristã, segundo São Cirilo de Alexandria, é Cristo, no sentido que celebramos aqui o mistério da própria encarnação e ressurreição”, detalhou o artista.

Em destaque no presbitério está um grande painel com a cena da Anunciação do Senhor, evento que marca a encarnação do Verbo no ventre da Virgem Maria, verdade de fé que dá nome ao mosteiro.

Obra póstuma

No Mosteiro da Transfiguração, Cláudio já havia feito um painel na entrada principal e na pequena capela onde os monges realizam suas orações cotidianas. A comunidade monástica, porém, ainda não tinha uma igreja para acolher os fiéis para as celebrações litúrgicas. Foi assim que, em 2015, o então Prior do Mosteiro, Dom Emanuele Bargellini, pediu ao artista que projetasse o templo. No entanto, Cláudio Pastro morreu em 2016 e não chegou a ver o projeto concluído.

“O Cláudio envolveu toda a comunidade no processo de idealização da igreja”, relatou Dom Emanuele ao O SÃO PAULO, enfatizando que Pastro não era simplesmente um artista que prestava um serviço profissional, “era alguém que interpretava com a linguagem artística e simbólica a alma da comunidade”. Concretamente, ele buscava, por meio de diversas visitas e conversas, conhecer a história e a experiência de fé específica da comunidade.

Mesmo com a morte do artista, o projeto não foi interrompido. Em 2017, a comunidade se mobilizou para viabilizar a obra e, em maio de 2019, começou a construção, mantendo a fidelidade ao projeto original, tendo apenas algumas pequenas modificações de engenharia. A igreja levou exatamente um ano para ser finalizada. No entanto, devido à pandemia, só pôde ser inaugurada em novembro de 2020.

Centralidade de Cristo

Ao entrar na igreja do Mosteiro da Transfiguração, logo são identificadas algumas marcas características da arquitetura de Cláudio Pastro. Uma sutil diferenciação da tonalidade do piso deli mita o espaço do presbitério, onde está o conjunto do altar feito de uma única pedra, em harmonia com o ambão (mesa da Palavra) e com a cadeira (sédia) do presidente da celebração. “Imediatamente se percebe que o centro do templo é o presbitério, mas, ao mesmo tempo, não é separado do espaço da assembleia que celebra”, comentou Dom Emanuele.

Nas grandes portas principais, de madeira, está gravado o desenho da árvore da vida, feito por uma das fiéis da comunidade, inspirada no conceito artístico de Cláudio Pastro. Nas manhãs de domingo, quando as portas são abertas para a missa, a luz do sol invade o interior da igreja, que é envolta por uma luz dourada.

Povo a caminho

O formato do telhado como uma tenda recorda que a igreja é o lugar onde os fiéis se reúnem para celebrar a presença do Ressuscitado, mas este é um povo peregrino, que está sempre a caminho. “Essa tenda não exprime apenas o momento da celebração litúrgica, mas a atitude da vida, da existência, que é sempre um caminho na fé, orientado para a ressurreição”, reforçou o antigo Prior do Mosteiro.

Para Cláudio Pastro, a experiência mistagógica, isto é, aquela em que o fiel é introduzido no mistério a partir de sua vivência celebrativa, não se limita às liturgias, mas inclui a experiência de fé vivida pela comunidade local. Nesse sentido, Hilda Souto enfatizou que, para o artista, não se tratava apenas de construir um “cenário”, mas um espaço litúrgico que, como tal, favorecesse as pessoas a vivenciarem o mistério.

Comunhão e participação

“Quanto mais estudo sobre o Cláudio Pastro, mais percebo o quanto ele viveu essa dimensão eclesial, mas também dentro de uma mística”, afirmou Hilda, sublinhando que é possível identificar na sua obra a perspectiva sinodal, de comunhão, participação e missão, temas do atual Sínodo iniciado pela Igreja, expressa tanto no processo de criação, ao envolver a comunidade em seus projetos, quanto no próprio projeto em si. Essa associação ocorre, na verdade, porque a arte de Cláudio Pastro é profundamente alicerçada nos ensinamentos do Concílio Vaticano II, não só sobre a liturgia, como também sobre a própria concepção da Igreja.

Painel de Cristo Pantokrator, na igreja do Mosteiro Nossa Senhora da Paz, em Itapecerica da Serra (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Oração e Palavra

A Abadessa do Mosteiro Nossa Senhora da Paz, em Itapecerica da Serra (SP), Madre Martha Lúcia Ribeiro Teixeira, descreve Cláudio Pastro como um homem que buscava Deus apaixonadamente em tudo o que fazia. Foi por isso que ele se identificou com a Regra de São Bento e se tornou um oblato beneditino, adotando o nome de Irmão Martinho.

“Sua intensa atividade artística brotava do amor que consagrava ao Senhor”, afirmou a Beneditina, recordando que o próprio Cláudio Pastro escreveu em um de seus livros: “Minha escola, a mais eficiente, sempre foi e é a liturgia, a participação nos sagrados mistérios e tudo o mais que dela decorre, como a Lectio Divina, o Ofício Divino, as obras e grandes amizades dentro e fora da Igreja”.

“Ele era um artista que evangelizava enquanto trabalhava, explicando para as pessoas que o acompanhavam o sentido de cada elemento do projeto, suas referências bíblicas, litúrgicas e teológicas”, completou Madre Martha Lúcia.

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