Cláudio Pastro: o artífice do belo no mistério de Cristo

Cláudio Pastro (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Considerado internacionalmente como o mais importante artista sacro brasileiro e um dos maiores do mundo, Cláudio Pastro, que morreu há cinco anos, em 19 de outubro de 2016, tem suas marcas presentes em centenas de igrejas, capelas, conventos e mosteiros no Brasil e em outros países.

Mais do que pinturas, ícones, painéis, projetos arquitetônicos e objetos litúrgicos, sua obra expressa a fé viva de comunidades que caminham para o encontro com Cristo. Por isso, não é possível falar apenas de um patrimônio estático do passado, pois seu legado artístico sintetiza uma experiência eclesial do presente.

Para compreender a atualidade da obra de Pastro para a Igreja no Brasil, a reportagem do O SÃO PAULO visitou lugares e conversou com pessoas que ajudam a entender não somente as referências técnicas de seu trabalho, mas, sobretudo, as fontes de onde brotava a experiência de fé que ele traduzia em arte.

Origem

Paulistano do bairro do Tatuapé, na zona Leste de São Paulo, Cláudio nasceu em 15 de outubro de 1948. Recebeu sua formação religiosa das Irmãzinhas da Assunção, com as quais estudou dos 7 aos 19 anos e aprendeu a ter gosto pela beleza da liturgia e pela objetividade da relação da pessoa com Deus.

Sua mãe, Dona Luizita, era modista. Desde os primeiros anos da infância, ele acostumou-se a vê-la desenhar. “Às vezes, a mãe lhe dava papel e o convidava a fazer uma paisagem com montanha, uma casinha, sol, um riacho. Cada um criava o seu desenho. Vendo que a mãe desenhava um sol vermelho, ele corrigiu: ‘Mãe, o sol é amarelo e o seu está vermelho!’ E a mãe: ‘Você desenhou o seu e eu, o meu! Cada um vê a paisagem como quer’. Essa foi, talvez, a primeira aula para o futuro artista se sentir livre para criar ‘o seu mundo’”, relata uma crônica sobre a vida de Pastro, escrita pelas monjas do Mosteiro Nossa Senhora da Paz, em Itapecerica da Serra (SP), comunidade à qual o artista foi profundamente ligado.

Na juventude, ele cultivou o desejo de ingressar na vida monástica, chegando a conhecer o Mosteiro Beneditino da Anunciação, em Curitiba (PR). O Mosteiro, porém, fechou alguns anos depois e ele acabou por se dedicar ao estudo da Arte.

Quando terminou o ensino secundário, o jovem quis cursar a faculdade de Belas Artes, mas seus pais não podiam pagar seus estudos. Por influência de amigos, escolheu Ciências Sociais na PUC-SP. Mesmo assim, nunca deixou de desenhar.

LEIA TAMBÉM:
 ‘O artista sacro não é um grande especialista em igrejas, mas alguém que tem fé’

Obra de Pastro é patrimônio que deve ser conhecido e preservado
Cristo Pantokrator na paróquia Nossa Senhora do Bom Parto, no Tatuapé (foto: Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Carreira

Na década de 1970, Pastro conheceu o movimento Comunhão e Libertação, que realizava trabalhos pastorais nas comunidades do bairro de São Mateus, na periferia da zona Leste da capital paulista. Lá, ele dava aulas de artesanato aos moradores. Foi nessa ocasião que o missionário polonês Padre Francesco Ricci o conheceu e ficou admirado com seu talento, levando-o para a Europa, onde promoveu exposições de seus trabalhos na Alemanha, Suíça, França, Itália e Áustria.

No Mosteiro Nossa Senhora da Paz, ele conheceu Madre Dorotéia Rondon Amarante (1916-2015), que foi sua mais marcante e duradoura influência artística. Com ela, desenvolveu uma espiritualidade sóbria e austera, que se refletiu na simplicidade e pureza dos traços de suas obras.

Foi nesse mosteiro que Cláudio Pastro realizou um de seus primeiros grandes trabalhos: um painel do Cristo Pantokrator, na capela abacial, em 1978. Também foi lá que, em 1987, pintou o painel da vida monástica feminina. “A Madre permitia que olhássemos o seu trabalho, mas não o interrompêssemos, ainda que com legítimas exclamações de admiração. Ele, porém, às vezes, parava para avaliar o que fazia e – como costumávamos dizer –, lembrava-nos a narração do Gênesis, depois de cada dia da criação: ‘Deus viu que tudo era bom!’ E exclamava: ‘Está muito bom!’”, relataram as monjas em suas crônicas.

Discípula

Outra das primeiras grandes obras de Cláudio Pastro foi o importante painel da História da Salvação, na igreja do Colégio Santo Américo, dos Beneditinos, no Morumbi, na zona Sul de São Paulo. Foi durante os trabalhos desse painel, em 1982, que a jovem estudante de Artes Visuais, Hilda Souto, foi a ele apresentada.

De estagiária, tornou-se assistente e primeira discípula do artista sacro. “Ele me deu o pincel na mão e começamos a trabalhar”, contou a artista, que hoje é pesquisadora da obra do seu mestre.

(Foto: José Roberto Kerr)

Formação

Cláudio Pastro estudou Arte na Abbaye Notre Dame de Tournay (França), no Museu de Arte Sacra da Catalunha (Espanha), na Academia de Belas Artes Lorenzo de Viterbo (Itália), na Abadia Beneditina de Tepeyac (México) e no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. As origens de sua arte, contudo, sempre foram sua experiência de fé, marcada pela beleza da liturgia e sua vivência nos mosteiros beneditinos.

Ele também conheceu os grandes mestres do Concílio Vaticano II: Odo Casel, Aemiliana Löhr, Louis Bouyer, Romano Guardini, entre outros. Também nessa época, teve contato com dois padres operários recém-chegados ao Brasil, Michel Cüenot e Jomar Vigneron, que lhe apresentaram obras da Teologia oriental e da iconografia bizantina. Posteriormente, Pastro conheceu também o grande precursor do Movimento Litúrgico no Brasil, Dom Martinho Michler, Monge do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, que muito influenciou a sua formação espiritual e litúrgica.

No fim da década de 1990, ele foi convidado para sua obra mais importante: concluir o interior da Basílica de Aparecida (SP). Ainda no início dos trabalhos, em função de uma crise hepática, foi hospitalizado e entrou em coma por 40 dias. Os anos que se seguiram foram marcados pelos sofrimentos causados pela saúde comprometida e por uma produção artística que impressionava a ele mesmo. Nunca havia produzido tanto ou sido tão reconhecido.

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários