Maria Angela Borsoi: 50 anos de vida consagrada leiga a serviço da Igreja

Ao O SÃO PAULO, ela relembra a trajetória dos seus 83 anos de vida, dos quais 50 foram dedicados à consagração leiga; 40 como secretária do Cardeal Arns

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Maria Angela Borsoi, 83, recebeu a reportagem em sua sala de missão, no Arquivo da Cúria Metropolitana, no Ipiranga, para uma manhã de conversa. 

Faltou tempo para tantas histórias e tantos detalhes recordados num misto de saudade e gratidão, com olhar atento e profundo, sorriso fácil e uma memória exímia, capaz de recordar com lucidez datas e momentos de suas origens e histórias vividas nas mais de oito décadas de existência. 

FAMÍLIA 

Maria Angela nasceu em 10 de março de 1939. É a primogênita de Fausto Borsoi e Anita Del-Fre, ambos descendentes italianos que chegaram, ainda jovens, ao Brasil, pelo Porto de Santos (SP). 

Na capital paulista, a família sempre residiu na região do bairro de Santana, zona Norte. Seus pais se conheceram no Brasil e se casaram em 1938. Da união, nasceram cinco filhos: Maria Angela, Maria Regina, Maria Lúcia, Artur e Luiz Carlos. 

Na família, a herança da fé começou a ser cultivada desde cedo. Maria Angela formou-se no curso de Nutrição. 

VOCAÇÃO 

A vocação religiosa sempre foi um sonho na vida de Maria Angela. Desde a infância, tinha contato com quatro tias freiras que contavam como era a vida religiosa consagrada. Com os irmãos e primos no porão de casa reproduziam as festas e os teatros que aprendiam na escola. Na rua, brincavam de igreja: rezavam, cantavam e encenavam a história dos santos. 

“Tenho tantas memórias boas dessa época. A nossa casa e até a rua eram a extensão da igreja e da escola”, afirmou. 

Maria Angela recordou ainda que ser freira era para ela um fascínio e, ao mesmo tempo, um grande mistério. “Sentia em meu coração o desejo de me consagrar a Deus, mas, por outro lado, não queria estar ali naquele formato que via as tias, em conventos. Queria algo diferente, que ainda não sabia identificar, e que se tornou realidade.” 

SERVIR COMO LEIGA 

Em 1960, Maria Angela teve o primeiro contato com o ideal de vida para o qual sentia o chamado em seu coração. 

“Participei de um retiro na cidade de Campinas (SP). Fui contrariada e este foi um momento divisor de águas na minha vida. Ali me foi apresentada pela primeira vez o formato da vocação leiga na Igreja”, disse. “O pregador do retiro me falou de um grupo de mulheres da Ação Católica que viviam em suas casas como leigas consagradas – com a missão de ser sinal da presença de Deus na sociedade. Fiquei tão feliz, pois era o ideal que eu buscava”, contou. 

De 1960 a 1971, Maria Angela foi consagrada desse grupo de mulheres. Com a conclusão do Concílio Vaticano II, houve uma reforma no grupo e ela e outras mulheres deixaram de ser membros. 

MULHERES CONSAGRADAS 

A semente da vocação permanecia viva e o desejo da consagração também. E essa consagração só foi possível, em 1972, já trabalhando como secretária do Cardeal Paulo Evaristo Arns, então Arcebispo de São Paulo. No contexto da renovação pós-conciliar, a então Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, sob o pontificado de Paulo VI, promulgou o Ritual da então Consagração das Virgens, Ordo Virginum, permitindo uma nova forma de consagração feminina à Igreja particular. 

“Nesse rito, as mulheres se consagram por meio da Ordem das Virgens, emitindo o propósito de seguir mais de perto a Cristo e se dedicam ao serviço da Igreja, conforme consta no Código de Direito Canônico”, afirmou. 

Com esse rito, as leigas consagradas não se tornam freiras. “Nós, consagradas leigas, emitimos os votos de castidade perpétua, mas não nos vinculamos a nenhuma congregação religiosa, e sim a uma Igreja particular. Permanecemos em nosso ambiente familiar, com a vida profissional e enraizadas na comunidade diocesana”, explicou. 

Na Arquidiocese de São Paulo, o Ordo Virginum foi instalado, em 1972, pelo Cardeal Arns. Em maio do mesmo ano, aconteceu a primeira consagração na Arquidiocese, que foi a de Maria Angela. 

A continuidade e o estímulo da vocação, a formação que prioriza a espiritualidade, a vida de oração, o crescimento no amor à Igreja, o conhecimento bíblico e litúrgico são de responsabilidade das consagradas com mais experiência na caminhada, sempre acompanhadas pelo bispo local e sacerdotes. 

O grupo de leigas está espalhado pelo Brasil e nos cinco continentes. Maria Angela contou que o número de leigas consagradas pelo mundo é de aproximadamente 5 mil. Na Arquidiocese de São Paulo já chegou a mais de 60 e, atualmente, é de aproximadamente 30. 

CONSAGRAÇÃO 

Na Arquidiocese, o grupo de leigas consagradas de Maria Angela é pioneiro. Os detalhes do dia da consagração, vividos há cinco décadas, ainda estão vivos na memória da nutricionista. 

“Lembro-me como se fosse hoje: Dom Paulo me falando desse ideal de vida e eu aceitando na hora. A emissão dos votos solenes, seguindo o rito próprio aconteceu no dia 31 de maio de 1972, na Capela do Palácio Pio XII, na Rua Pio XII, no bairro Bela Vista, região central. Para mim, a consagração no rito Ordo Virginum é a realização do sonho de Deus na minha vida. Sou feliz e realizada com essa vocação, que me permite evangelizar e ser sinal do amor de Deus ao mundo”, afirmou. 

ALEGRIA DE SERVIR 

Como secretária de Dom Paulo Evaristo Arns por 40 anos, ela acompanhou momentos importantes da atuação dele na Arquidiocese de São Paulo, entre esses destacou a transição de Bispo Auxiliar da Região Episcopal Santana para Arcebispo; a venda do Palácio Pio XII, que na época era a residência episcopal; a Operação Periferia, que trouxe um olhar mais atento e sensível à realidade da população mais afastada do centro; e as grandes mobilizações e atos em favor da democracia e contra a ditadura militar. 

“Trabalhar com Dom Paulo foi um verdadeiro privilégio, uma grande graça de Deus e um profundo aprendizado. Para mim, Dom Arns é um profeta, é um santo”, disse. 

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eduardo rodrigues coelho
eduardo rodrigues coelho
2 anos atrás

pessoa admirável, a Mariangela é um exemplo de dedicação total a Deus na Igreja. Uma simpatia e sinal de simplicidade.