‘Na família, o ser humano encontra a raiz da sua identidade de filho de Deus’

Afirmou Subsecretária de organismo da Santa Sé, durante masterclass sobre a Amoris laetitia

Gabriella Gambino, Subsecretária do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida (reprodução da internet)

“Amor conjugal, transmissão da vida e educação dos filhos” foi o tema de uma aula on-line com a Subsecretária do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, da Santa Sé, Gabriella Gambino, na quinta-feira, 22.

A masterclass foi promovida pelo Instituto Parresia, entidade ligada à Comunidade Católica Shalom.

Casada e mãe de cinco filhos, Gambino é doutora em Bioética e professora do Pontifício Instituto Teológico João Paulo II de Ciências do Matrimônio e da Família (Universidade Lateranense). Em 2017, foi a primeira mulher leiga nomeada para o cargo de subsecretária do organismo da Santa Sé voltado para as questões do laicato, família e promoção da vida.

A partir do magistério dos papas João Paulo II e de Francisco, especialmente da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris laetitia (2016), a Subsecretária ressaltou o dever educativo dos pais de fazer emergir nos filhos a identidade da filiação divina, além de serem os primeiros responsáveis pela educação moral para a liberdade.

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Filiação divina

A Professora recordou que o Instrumento de Trabalho do Sínodo dos Bispos de 2014 afirmou: “Como Jesus nasceu em uma família, onde permaneceu por 30 anos, onde cresceu em ‘sabedoria, idade e graça’, cultivando a vocação para a qual o Pai o enviou ao mundo, assim, cada um de nós descobre a sua identidade filial na família”.

“A família, de fato, é o lugar de nossa origem, o lugar em que cada homem toma consciência de ter um Pai, que, ao chamá-lo à vida, o chama a amar, não apenas com os sentimentos, mas ontologicamente, porque todo homem é chamado a ser-para-amar em razão da sua natureza filial”, explicou a Doutora.

A Subsecretária acrescentou que, do amor conjugal, nasce a capacidade de dar a vida, no fluir do tempo entre gerações, dando aos filhos uma identidade. “Nesse sentido, a Teologia cristã da família (entendida precisamente como um instrumento para compreender o significado transcendente da família) expressa a profunda ligação que existe entre a estrutura da família humana e nossa familiaridade com Deus”, completou.

“É na família que o ser humano vem ao mundo na condição de filho, que aprende o discurso sobre o Pai, que aprende a conhecer a Deus. A família é onde está enraizada de maneira estável suas origens e sua identidade humana e cristã”, sublinhou a especialista.

Desafios atuais

Gambino salientou que estabilidade familiar e o conceito de filiação “estão sendo esmagados” pelas transformações sociais e culturais da atualidade. “E isto causará efeitos sobre as gerações futuras, já que é da estabilidade do Matrimônio e da maneira de pensar e de gerar os filhos que derivam as principais relações familiares, aquelas que foram nossa identidade individual”, acrescentou.

De acordo com a Pesquisadora, a raiz da “desorientação ética” que atualmente atinge as famílias é precisamente “o abandono de nossa condição filial”. “Dentro das relações, muitas vezes,  instáveis, transitórias e cheias de incertezas, nas quais, às vezes, por escolha dos adultos, nem mesmo as figuras parentais do pai e da mãe estão presentes”.

Ainda segundo Gambino, o subjetivismo ético, jurídico e social atual está enraizado em um conceito de liberdade entendido precisamente a partir de um horizonte de renúncia à condição de filhos e um Deus. “É o nosso encontro com o Pai que deve nos guiar no exercício da liberdade”, afirmou, acrescentando que, no contexto social atual, torna-se difícil ajudar os filhos a responder a célebre questão posta por Santo Agostinho: “De onde venho e para onde vou?”

Vocação

“O esquecimento de nosso princípio, da origem, para qual a sociedade contemporânea nos conduz, ameaça tornar impossível a busca do propósito da nossa vida e do sentido de nossa existência”, alertou a Professora, reforçando que: “Compreender de onde viemos e, portanto, quem somos, não apenas com respeito à nossa humanidade, mas também com respeito a Deus, é a condição prévia para podermos nos doar aos outros e realizar nossa vocação”. 

“A luz que envolve o mistério da família, afinal, é um raio de paternidade, que deve ser capaz de se apresentar a cada filho como um caminho de amor, uma vocação, que os pais podem, em parte, mostrar a seus filhos através do exemplo de sua vocação esponsal, fiel e sólida”, salientou a Subsecretária.

Dever moral

A Professora enfatizou que ensinar os filhos a compreenderem a própria existência e a vivê-la como uma vocação não é um dever apenas religioso confiado à família, mas também moral.

“O anúncio cristão deve se traduzido em um ensinamento que saiba gerar virtude, bons comportamentos, apoiados e guiados pela graça”, frisou, complementando que, “a família tem um dever irredutível da educação moral para a liberdade na responsabilidade de si e dos outros”.

Tais valores e capacidades, salientou a Doutora, só podem ser transmitidos e amadurecidos no relacionamento com o outro, “que deve ser reconhecido como pessoa, a quem se deve prestar contas das próprias escolhas de acordo com o princípio da responsabilidade”.

Limites e referências

(Reprodução da internet)

A  Subsecretária sublinhou, ainda, que a liberdade humana se desenvolve na realidade, mas somente onde existem limites que lhe dão forma, objetivo e meios. “A liberdade, de fato, para não se dissolver em ações irrefletidas e desordenadas, é situada e real, limitada e condicionada. Não é uma pura capacidade de escolher o bem com espontaneidade. Porque a realidade tem sua própria dimensão objetiva da qual não se pode prescindir”, disse.

Gambino afirmou que, como o ser humano só pode se orientar se tiver um ponto de referência firme e objetivo, “é somente no relacionamento com Deus que as novas gerações serão capazes de se encontrar a si mesmas e sua vocação na vida, superando a desorientação em que estamos imersos”.

Por outro lado, diante de uma liberdade concebida a partir da falta da compreensão da condição filial, o ser humano é “privado do horizonte da promessa”. “Se não somos filhos, não há ninguém que nos promete algo. Tudo é reduzido a uma escolha, a uma decisão auto-referencial na qual estamos sozinhos, sem raízes, e vivemos a ruptura entre a nossa fé e a nossa vida moral”, disse.  

Individualismo

A Professora alertou para o risco de levar os adultos a transmitir às novas gerações uma ideia de liberdade auto-referencial e “solipsista”, referindo-se à teoria filosófica segundo a qual nada existe fora do pensamento individual, sendo a percepção (das coisas ou das pessoas) uma impressão sem existência real. Segundo ela, essa distorção é capaz de lançar o indivíduo humano no desespero.

“O ‘direito à solidão’, de fato, fere na raiz a beleza e a riqueza da convivência, da existência de cada sujeito ao lado do outro,  fere a relação de amor e confiança entre o homem e Deus”, acentuou, completando que a presença contínua dos pais ao lado dos filhos é essencial para esses poderem perceber o amor de Deus.

Ao tomar a afirmação divina “Não é bom para o homem estar sozinho”, destacada do relato da criação do homem e da mulher no Livro do Gênesis, a Doutora salientou que tais palavras expressam a necessidade de comunhão e de uma aliança, em primeiro lugar, entre o homem e a mulher, mas também entre pais e filhos, que se tornam, assim, “o paradigma de uma condição antropológica dentro da família”. 

Coerência de vida

“A família Cristã, de fato, é chamada a dar um testemunho corajoso de uma visão cristã da realidade, das coisas segundo Deus. Essa é a primeira missão que temos como pais”, enfatizou a Subsecretária, reforçando que a fé deve ser traduzida em uma ação ética que exige de cada pessoa um compromisso coerente de vida.

“Isso é experimentado na família, na qual as escolhas éticas dos cônjuges em relação à intimidade de sua vida conjugal, à colhida dos filhos, a educação, não depende e um puro ato voluntário da razão humana entre os cônjuges, mas de reconhecer junto uma ‘Presença’ que fala, que indica o caminho e os sinais concretos para buscar uma vida plena”.

Sacramento

Gambino afirmou que, pela graça recebida no sacramento do Matrimônio, os cônjuges encontram em Cristo as respostas para dirigir juntos a jornada educacional de seus filhos.

“Por meio da graça, de fato, os cônjuges se tornam reciprocamente ‘ministros da graça’ um para o outro, dizia Pio XI, na [Encíclica] Mystici Corporis Christi. Eles têm a capacidade de se tornar um ‘nós’, no qual o Espírito se torna uma fonte inesgotável de renovação, de modo que as dificuldades são superadas não pela fraqueza dos cônjuges, mas pelo poder do Espírito”, destacou. 

“Ao testemunharem a indissolubilidade do Matrimônio, que flui da graça, os esposos podem dar testemunho aos filhos da indissolubilidade do amor de Deus por cada um deles”, sublinhou.

Gabiella Gambino ressaltou que o testemunho mais autêntico e importante da família cristã é dado entre as paredes domésticas, onde os filhos observam os pais e recordou as palavras de São João Paulo II em seus Exercícios Espirituais: “Acima de todos os amores, há um Amor. Um Amor sem resistência. Sem hesitação. É o amor com o qual Cristo amou cada um de vós”.  

Instituto Parresia

Criado pela Comunidade Católica Shalom, o Instituto Parresia tem a missão de formar católicos missionários. Organizado em três pilares – ensino, pesquisa e produção de conteúdo –, a entidade conta com missionários, nativos ou residentes, na Europa e América Hispânica. Mais de 10 mil pessoas já participaram dos cursos on-line promovidos pelo Parresia, entre eles Sagradas Escrituras; Família e Matrimônio; e Teologia do Corpo.

Para conhecer mais, acesse: https://institutoparresia.org/

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