A humanidade ‘plastificada’

Há mais de 50 anos, na carta apostólica Octogesima adveniens, de 1971, São Paulo VI alertava que com a exploração desenfreada da natureza, o ser humano começava a “correr o risco de destruí-la e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação. Não só já o ambiente material se torna uma ameaça permanente, poluições e lixo, novas doenças, poder destruidor absoluto; é mesmo o quadro humano que o homem não consegue dominar, criando assim, para o dia de amanhã, um ambiente global, que poderá tornar-se-lhe insuportável” (OA 21).

Cinco décadas depois, na encíclica Laudato si’, em 2015, o Papa Francisco reforça que já não possível deixar de considerar “os efeitos da degradação ambiental, do modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoas” (LS 43).

A forma como são produzidos, consumidos e descartados os plásticos atualmente são a “mais perfeita tradução” dessa degradação apontada pelos pontífices. A cada ano, 460 milhões de toneladas de plásticos são produzidas no planeta, mas somente 15% dos resíduos plásticos vão para a reciclagem. A maior parte, 46%, é depositada em aterros sanitários, 22% é mal gerida e se transforma em lixo e 17% acaba incinerada. Os dados são do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

A indiferença de governos, empresas e de cada pessoa com a gestão dos resíduos plásticos tem impactado diretamente no meio ambiente. A cada ano, 10 milhões de toneladas de plásticos têm como destino final os oceanos e hoje já existem ao menos cinco grandes “ilhas de plástico” no planeta, que se formaram ao longo das últimas décadas, com a agregação de microplásticos. Também as ilhas naturais estão ficando impregnadas de plástico. Em 2022, pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) alertaram para a existência de “rochas de plástico” na Ilha de Trindade, no estado do Espírito Santo, formadas pela acúmulo de microplásticos provenientes do mar. 

Além de interferir nos ecossistemas e no equilíbrio ambiental do planeta, a gestão indevida dos resíduos plásticos já deixa vestígios também no corpo humano. Uma pesquisa feita na Holanda em 2022, encontrou micropartículas de plástico em amostras de sangue, incluindo o polietileno tereftalato, material-base das garrafas PET, e o poliestireno, maciçamente utilizado nas embalagens de alimentos.

Nesta edição do O SÃO PAULO, o caderno “Laudato si’ – por uma Ecologia Integral” aborda a problemática dos resíduos plásticos e dá visibilidade a iniciativas individuais e coletivas que têm buscado substituir o plástico convencional por biomateriais ou reaproveitar itens plásticos que antes iriam para o lixo. 

Estas e outras iniciativas pontuais, porém, não serão capazes de reverter os impactos que tais resíduos causam ao planeta. Nesse sentido, espera-se – e com certa urgência – que seja assinado o tratado internacional para acabar com a poluição plástica. A resolução para tal foi aprovada pelos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2022 e o tratado deve ser efetivado em 2024, prevendo uma série de obrigações e disposições técnicas aos países, bem como punições aos que descumprirem o que for acordado. A meta é promover a produção e o consumo sustentáveis de plásticos, desde o design do produto até a gestão ambientalmente correta de resíduos. Tais propósitos estão alinhados aos apelos do Papa Francisco na Laudato si’, entre os quais o de que as nações favoreçam “modalidades de produção industrial com a máxima eficiência energética e menor utilização de matérias-primas, retirando do mercado os produtos pouco eficazes do ponto de vista energético ou mais poluentes [e que haja] a alteração do consumo e o desenvolvimento de uma economia de resíduos e reciclagem” (cf. LS 180). 

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