Papa ao G7: a humanidade não tem esperança se depender da escolha das máquinas

Em discurso na cúpula do G7, na sexta-feira, 14, Papa Francisco afirma que a humanidade pode fazer bom uso da inteligência artificial, mas precisa monitorar os potenciais riscos
Vatican Media

Pela primeira vez na história, um pontífice romano discursou na cúpula do G7, que reúne os líderes das maiores economias do mundo: Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos, além de países convidados, como o Brasil.

No evento, realizado na sexta-feira, 14, em Borgo Egnazia, na região italiana da Puglia, o Papa Francisco falou sobre as oportunidades, perigos e efeitos da inteligência artificial (IA), um dos temas da cúpula.

Em um discurso de princípios, mas também de exemplos concretos, o Santo Padre se centrou na ambivalência da inteligência artificial e na necessidade do seu controle por parte dos homens e mulheres de hoje e de amanhã.

G7 Itália 2024

ENTUSIASMO E TEMOR

“Como é sabido, trata-se de um instrumento extremamente poderoso, utilizado em muitos domínios da atividade humana: da medicina ao mundo do trabalho, da cultura à comunicação, da educação à política. E é já legítimo supor que o seu uso influenciará cada vez mais a nossa forma de viver, as nossas relações sociais e, no futuro, até mesmo a maneira como concebemos a nossa identidade como seres humanos”, afirmou Francisco, reconhecendo que o tema da IA, por um lado, entusiasma pelas possibilidades que oferece; por outro, gera temor pelas consequências que deixa antever.

Ao ressaltar que o advento da inteligência artificial representa uma verdadeira “revolução cognitivo-industrial” que poderá contribuir para a criação de um novo sistema social caracterizado por complexas transformações epocais, o Papa reconhece que a IA poderia permitir uma democratização do acesso ao conhecimento, o progresso exponencial da investigação científica, a possibilidade de delegar às máquinas os trabalhos exaustivos. No entanto, o Pontífice pondera que, ao mesmo tempo, “ela poderia trazer consigo uma maior injustiça entre nações desenvolvidas e nações em vias de desenvolvimento, entre classes sociais dominantes e classes sociais oprimidas, colocando em perigo a possibilidade de uma ‘cultura do encontro’ em favor de uma ‘cultura do descarte’”.

GUERRA

“Permitam-me insistir precisamente sobre este tema: em um drama como o dos conflitos armados, é urgente repensar o desenvolvimento e o uso de dispositivos como as chamadas ‘armas autônomas letais’, a fim de banir a sua utilização, começando desde já pelo compromisso efetivo e concreto de introduzir um controle humano cada vez mais significativo”, reforçou Francisco, enfatizando: “Nenhuma máquina, em caso algum, deveria ter a possibilidade de optar por tirar a vida de um ser humano”.

O Santo Padre apontou para um risco que se registra como “uma perda ou pelo menos um eclipse do sentido do humano e uma aparente insignificância do conceito de dignidade humana”. E prosseguiu: “Parece que se está perdendo o valor e o significado profundo de uma das categorias fundamentais do Ocidente: a categoria de pessoa humana”, observou, reforçando que nenhuma inovação é neutra.

“A tecnologia nasce com um propósito e, com o seu impacto na sociedade humana, representa sempre uma forma de ordem nas relações sociais e uma disposição de poder, permitindo a uns realizar determinadas ações, enquanto a outros impede de concretizar outras”, acrescentou Francisco, salientando que para que as ferramentas de IA sejam instrumentos de construção do bem e de um amanhã melhor, devem estar sempre orientadas ao bem de cada ser humano. Devem ter uma inspiração ética.

O Pontífice lembrou, ainda, a necessidade de uma política saudável contra o que ele definiu como “o perigo tecnocrático”.

“O mundo pode funcionar sem política? Pode encontrar um caminho eficaz para a fraternidade universal e a paz social sem uma boa política? A nossa resposta a estas últimas perguntas é: não! A política é útil!”, refletiu.

ESPERANÇA

A conclusão do discurso foi um convite à esperança. “Não se pode parar a criatividade humana e o seu sonho de progresso, mas sim canalizar esta energia de uma nova forma”, recordou o Papa. “Este é precisamente o caso da inteligência artificial. Cabe a todos aproveitar bem e cabe à política criar as condições para que esse bom aproveitamento seja possível e frutífero”.

Esta não é a primeira vez que Francisco aborda a temática da inteligência artificial. Na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano, comemorado em 1º de janeiro, o Santo Padre exortou as nações a trabalharem unidas para adotar um tratado internacional vinculativo, que regule o desenvolvimento e o uso da inteligência artificial nas suas variadas formas. “Naturalmente, o objetivo da regulamentação não deveria ser apenas a prevenção de más aplicações, mas também o incentivo às boas aplicações, estimulando abordagens novas e criativas e facilitando iniciativas pessoais e coletivas”, frisou na ocasião.

Na mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, comemorado no dia 12 de maio, o Pontífice abordou novamente a temática, afirmando que a utilização da IA poderá proporcionar um contributo positivo no âmbito da comunicação, “se não anular o papel do jornalismo no local, antes, pelo contrário, se o apoiar; se valorizar o profissionalismo da comunicação, responsabilizando cada comunicador; se devolver a cada ser humano o papel de sujeito, com capacidade crítica, da própria comunicação”.

REGULAÇÃO

Ao redor do mundo, os países têm tomado medidas proativas para regular o uso da IA, reconhecendo tanto suas potencialidades quanto seus riscos. A União Europeia, por exemplo, tem liderado com o AI Act, uma regulamentação abrangente que estabelece padrões rigorosos de proteção de dados e categorizações de risco.

A China também já implementou diversas normativas, enquanto os Estados Unidos optaram por princípios gerais por meio do AI Blueprint. O Reino Unido e países como o Peru, por outro lado, têm buscado harmonizar a inovação com regulamentações setoriais já existentes.

No Brasil, foi criada no Senado a Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial, que analisa o projeto de lei que regulamenta o uso da IA. A proposta define diretrizes para o desenvolvimento, implementação e uso de sistemas de IA no Brasil, por meio do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial.

Na missa do domingo, 16, na Catedral da Sé, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, comentou a participação de Francisco na cúpula do G7. “O Papa não foi lá representando nenhuma grande economia, nenhum grande poder militar. O Papa foi lá com a força do Evangelho… e lá fez a presença no meio dos grandes deste mundo, dizendo por onde as coisas deveriam ir, para se encontrarem as soluções para os problemas deste mundo”, afirmou.

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