‘Para que as obras de Deus se manifestem’

Ao paralítico curado, Jesus dissera: “Não tornes a pecar, para que não aconteça coisa pior” (Jo 5,14). Depois, perguntaram-lhe acerca de um cego: “Quem pecou para que nascesse assim?” (Jo 9,2). O Senhor, porém, declarou que este mal não era devido ao pecado, mas “serve para que as obras de Deus se manifestem nele” (Jo 9,3). Assim, mostrou que é temerário estabelecer relação direta entre os males sofridos e os pecados individuais próprios ou alheios.

Por vezes, Deus permite que passemos por “correções”. Doenças, perdas e infortúnios nos levam a refletir, a sermos humildes e a nos voltarmos para o Senhor e para o próximo. Em outras ocasiões, nossos sofrimentos são causados por nossas próprias más escolhas, pela vida desregrada e pela teimosia. Há, porém, quem prove males nesta vida sem ter qualquer culpa direta. Isso ocorreu com Cristo e com os santos.

Antes de se avaliarem as possíveis causas morais dos sofrimentos próprios ou alheios, é preciso lembrar: “Não julgo segundo os critérios do homem: o homem vê as aparências, o Senhor vê o coração” (1Sam 16,7). O justo Jó sofreu mais do que qualquer pecador; a Virgem Imaculada presenciou a morte do próprio Filho; e Jesus, o Verbo encarnado, sofreu mais do que todos os seres humanos. Poderíamos acrescentar a essa lista tantos sofredores inocentes: Santa Teresinha, São Padre Pio, os Pastorinhos de Fátima…

O porquê dos sofrimentos é um mistério. Uma coisa, porém, é certa: se Deus os permite é porque vai tirar deles um bem maior. Com sabedoria, o Senhor converte os acontecimentos amargos em um bem para aqueles que o amam (cf. Rm 8,28). Utiliza os males temporais como matéria-prima e ocasião para nos converter, amadurecer, purificar e fortalecer. Além disso, o grande mal não reside nos infortúnios desta vida, mas, sim, em nos afastarmos de Deus! No fim das contas, as privações e dores podem nos ajudar a repelir o pecado e a condenação eterna.

No Evangelho, Jesus converte a cegueira física de um homem num caminho para conduzi-lo à fé. Nem tudo seriam flores: o cego é expulso da sinagoga e Cristo passa a ser mais odiado, a ponto de decidirem matá-lo. Porém, deste mal ainda maior – o assassinato do Filho de Deus – Ele nos trouxe o maior de todos os bens: a Redenção. O suplício tornou-se a salvação, a Santa Cruz.

Jesus cura duas cegueiras: a física e a espiritual. Imaginemos a alegria de um cego de nascença ao passar a enxergar, de repente, a beleza do mundo! Mais importante ainda, porém, foi ter recebido a luz da fé. O gesto que assinalou o seu novo nascimento, o momento mais feliz da vida do “cego” que conferiu luz e cores à sua existência, foi este: “Ele exclamou: ‘Eu creio, Senhor!’ E prostrou-se diante de Jesus” (Jo 9,38).

Por meio de um aparente mal, manifestou-se a obra de Deus, que consiste em ‘que creiam’ (Jo 6,29)! Os fariseus, sem fé, continuaram cegos, críticos, murmuradores… E porque pensam ver, mas não crêem, o seu pecado permanece (Jo 9,41)!

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários