‘Pobres em espírito’

O Sermão da Montanha (Mt 5-7) encerra o núcleo da mensagem moral e espiritual do Evangelho. O seu coração são as Bem-Aventuranças (Mt 5,3-12), sentenças que retratam o Coração de Jesus e revelam o que é uma vida realmente feliz, segundo os critérios de Deus. Quem vive as bem-aventuranças já encontrou o Reino de Deus! 

A primeira delas resume todas as demais: “felizes os pobres em espírito, pois deles é o reino dos Céus” (Mt 5,3). A pobreza em espírito se confunde com a humildade, fundamento de todas as virtudes. Consiste no esvaziamento de si mesmo e na total abertura e confiança em Deus. É uma condição para o adorarmos e para amarmos nosso próximo. Temos de ser pobres: esvaziados de nós mesmos e do que alimenta em nós o pecado, a cobiça e a soberba. 

Somos “ricos em espírito”, por exemplo, ao não tolerarmos as dificuldades. Gostaríamos de resolver os problemas imediatamente e não admitimos ser contrariados e afligidos. Aferramo-nos ao bemestar como a um tesouro e, por isso, nos fechamos à consolação que o Pai concede aos filhos na tribulação (cf. 2Cor 1,4). Injúrias e perseguições se tornam ocasião de pecado, ao invés de santificação, por causa do apego – da avareza! – que temos por nós mesmos.  

Também a falta de amor pela justiça provém da ausência de pobreza em espírito. Apegados às expectativas e juízos próprios, agimos com um “senso de justiça” falso, duro e ressentido. Ou, então, paralisados pelo egoísmo e pelo comodismo, vivemos uma caricatura de bondade – somos  apenas “bonzinhos” – e sacrificamos a justiça e o senso das proporções em troca de nossa boa imagem. Com a consciência anestesiada, damos ar de “misericórdia” ao que não é senão pusilanimidade, indecisão, injustiça. 

Quando falta a pobreza em espírito, não há lugar tampouco para a pureza de coração. A vontade própria e os prazeres prevalecem sobre o amor e o bem. Não querendo abrir mão de nós mesmos e do gosto imediato, tornamo-nos reféns da impureza, da sensualidade, da preguiça ou da gula. Podemos até justificar tais atitudes como uma simples “fraqueza”… No entanto, elas escondem uma “avareza de espírito” que retira a liberdade e sufoca a caridade. 

Um dos sintomas da falta de pobreza em espírito é a ausência de paz. Como um rico que jamais se satisfaz com o que tem e, ao mesmo tempo, teme perder o que já possui, tentamos nos agarrar desesperados a mil pequenos apegos e desejos: coisas, manias, opiniões, diversões, comodidades, títulos, cargos, mágoas, seguranças, vícios etc. A vida se torna uma casa repleta de bugigangas e desordem. E assim, amesquinhados, deixamos de desejar o reino dos Céus. 

O desapego de si é condição para se desejar e encontrar o Senhor. Por isso, Ele promete: “deixarei entre vós um punhado de homens humildes e pobres, no nome do Senhor porão sua esperança” (Sf 3,12). Que o Senhor nos faça realmente felizes – segundo Deus – neste mundo, para que sejamos felizes no Céu. “Felizes os pobres em espírito, pois deles é o reino dos Céus”!

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