O Papa e a evangelização pela ecologia

Tanto a Laudato si’ quanto a Laudate Deum têm por objetivo denunciar o perigo do aquecimento global e a necessidade de ações coordenadas de todos os países para minimizar seus efeitos. Francisco, assim, se mantém fiel a uma postura que acompanha a Doutrina Social Católica há muito: dialogar com a ciência, denunciando os desvios do cientificismo, mas aceitando sua capacidade de descrever e explicar os fenômenos naturais, indicando as melhores soluções técnicas para os problemas.

Seguindo essa linha, o Papa constata que os sinais das mudanças climáticas e de suas consequências são bastante evidentes em nosso tempo: fenômenos climáticos extremos, perdas materiais e tragédias humanas bem noticiadas e conhecidas. Além disso, a comunidade científica internacional consegue explicar claramente como os gases liberados pela atividade humana levam ao aquecimento global, mas não tem nenhuma evidência tão forte para explicar a origem e a velocidade desse fenômeno. Daí também a conclusão de que se torna urgente uma transição energética global para o uso de energias “limpas”. Abraçar a mudança, pensando no bem comum e nas futuras gerações não é uma questão ideológica ou partidária, é um compromisso moral que nasce de uma postura realista diante do mundo, como o Pontífice deixa bem claro nos dois documentos.

Aliás, é bom lembrar que Bento XVI também fez alertas com relação às alterações climáticas. No Dia Mundial da Paz de 2010, promoveu a instalação de painéis solares no Vaticano e o financiamento de uma floresta húngara, fazendo do Vaticano o primeiro país a se tornar neutro em emissões de carbono.

Contudo, existe também um diálogo evangelizador tanto na Laudato si’ quanto a Laudate Deum. Num mundo cada vez secularizado, pragmatista e individualista, no qual um êxito material frequentemente tem um sentido humano e um valor afetivo, o movimento ecológico representa mais do que uma preocupação com a sobrevivência física do planeta e de todos os seres vivos: é uma busca por uma organização da realidade e por uma racionalidade que possam orientar a vida das pessoas, algo maior que possa nos dizer quais caminhos seguirmos para sermos felizes.

Existe uma evidente afinidade entre a ecologia, uma visão da realidade que prega que todas as coisas estão interligadas e as religiões, que procuram religar o ser humano com o Infinito. Existe, nos movimentos ecológicos mais autênticos, uma busca por uma espiritualidade perdida no mundo moderno. Trata-se, ironicamente, de uma busca pela Lei Natural feita por aqueles que rejeitaram a Lei Natural…

Nesse contexto, a mensagem de Francisco representa, para muitos, mais do que um posicionamento político favorável. É uma palavra de sabedoria que revela, para além de um certo catastrofismo recorrente nos discursos ambientalistas, a capacidade de olhar o mundo com amor e ternura, de ver a esperança sem negar as dificuldades, de referir-se à beleza deixando claro a existência de uma Beleza maior. Ele é o sábio que encanta os jovens e os corações joviais. Para “quem tem ouvidos para ouvir”, Francisco anuncia – em seus documentos socioambientais – um Deus de amor e de ternura capaz de dar beleza, sentido e esperança à vida e às lutas do ser humano.

Infelizmente, é a própria comunidade católica que enfraquece essa mensagem. Num extremo, alguns se perdem numa querela ideológico-partidária e não querem atender aos apelos papais. No outro extremo, há os que se deixem fascinar de tal forma pela adesão de Francisco à luta ambiental que não percebem a mensagem espiritual que ele leva a esse movimento. Num extremo ou no outro, tanto o mundo quanto nosso coração acabam perdendo algo.

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