Restaurante Duas Terezas une Gastronomia e solidariedade

Bruno Goes/Divulgação

No bairro Jardim Paulista, zona Sudoeste da capital paulista, o restaurante Duas Terezas, idealizado pela chef de cozinha Mariana Pelozio, 35, é um ambiente aconchegante e acolhedor, permeado pela simplicidade que desperta a sensação de estar em casa.

A decoração remete às origens da família de Mariana – o Nordeste do País, com traços da Itália. O cardápio também foi elaborado com a mistura da culinária brasileira e italiana e um toque todo especial da chef.

Na área externa do restaurante, chama a atenção uma pintura e a oração de São Francisco de Assis. A referência ao “Santo dos Pobres” não é aleatória: pessoas em situação de rua que batem à porta à procura de um prato de comida sempre têm sua fome saciada.

Na pandemia, porém, Mariana e sua equipe fizeram mais do que esperar pelas pessoas: diariamente, produziram 300 marmitas que foram destinadas ao Projeto Cozinha Solidária e ao Projeto Cozinha Solidária Comunidades, mantido pela Prefeitura de São Paulo.

Uma cozinha marcada pela simplicidade

A Gastronomia é a segunda formação da Mariana, que é graduada em Administração com ênfase em Marketing, tendo já trabalhado na área de Tecnologia e Desenvolvimento de Softwares.

A primeira experiência na cozinha foi aos 9 anos de idade. Com um caderno de receitas da avó, ela fez um suflê de espinafre. Começou a cozinhar profissionalmente em 2012, em um trailer no extinto complexo Vila Butantã e, em 2016, fundou o restaurante Duas Terezas, na Alameda Lorena, no Jardim Paulista.

“Na Culinária, encontro a minha verdade, oportunidade para olhar o que está dentro do meu coração”, afirmou Mariana em entrevista ao O SÃO PAULO.

A Gastronomia simples, afetiva e criativa, sem desperdício, é o ideal da chef, aliada a pratos fáceis e saborosos. “O restaurante é inspirado nas minhas avós; coincidentemente, as duas chamavam-se Tereza: Tereza Pelozio e Tereza Ciarrocchi. Elas me inspiraram a simplicidade e a caridade”, disse.

A experiência de servir os mais pobres

Entre 2001 e 2004, Mariana, ainda adolescente, participou da Comunidade Católica dos Filhos da Pobreza do Santíssimo Sacramento (Toca de Assis), onde conheceu o ideal de São Francisco de Assis e sua busca preferencial pelos pobres.

“Ingressei na comunidade com 15 anos. Foi uma fase muito bonita da minha vida. O amor à Igreja, o amor ao próximo caído à margem da sociedade, a devoção ao carisma franciscano é uma herança que aprendi e trago comigo”, afirmou.

A espiritualidade e o contato direto com as pessoas em situação de vulnerabilidade deixou marcas profundas na chef.

Aqui no restaurante temos como meta não negar comida. Saciar a fome é um apelo do próprio Jesus, é princípio evangélico que nos interpela como cristãos e humanos”, recordou.

Fazer o bem, por vezes, incomoda

Entre as ações sociais promovidas por Mariana, estão contribuições mensais ao Arsenal da Esperança. “Promovemos eventos, dos quais uma parte do valor de cada refeição é direcionada aos projetos de assistência do Arsenal, lugar que acolhe e devolve esperança”, afirmou.

À reportagem, Mariana explicou que, com a chegada da pandemia, as portas do restaurante ficaram fechadas e novas iniciativas nasceram. Entre elas, a produção e distribuição de, inicialmente, 80 marmitas, número que em poucos dias se multiplicou devido à demanda de 300 marmitas – todas preparadas na cozinha do restaurante.

A entrega das marmitas incomodou, de certa forma, os vizinhos do entorno do restaurante. “Alegaram que, com a distribuição, estávamos atraindo essa população para o bairro, houve críticas e apoio – vertentes que incomodam e incentivam a promoção do bem”, disse.

Mariana ressaltou que estender a mão ao próximo é algo inerente ao ser humano, mas, que, por vezes, as pessoas preferem destinar sua ação caritativa a quem está longe ou afastado da sua rua, bairro ou até da porta de casa.

A insatisfação de algumas pessoas não a abalou, e ela continou firme em seu propósito de vida: “Fazer sempre algo pelo irmão”.

Ação que se multiplica

“Continuamos distribuindo refeições, de forma pontual, a quem bate na porta, e passamos a distribuir também as marmitas na região da Penha. No início, eu ia com meu próprio carro”, disse, ressaltando que no período da pandemia se deparou com a realidade de motoristas profissionais que passaram a ter dificuldade de obter renda. Diante disso, ela decidiu contratar um motorista para a entrega das marmitas: Rubens Viana de Salles.

“Estava parado, sem conseguir garantir o básico para minha família. Ajudar e ser ajudado engrandece o coração. Ao chegar com as marmitas, pude ver de perto a dura realidade da fome e, como faz a diferença essa doação, que para muitos é a única refeição do dia”, disse Salles, que é motorista de táxi há 15 anos.

Meses depois, as marmitas passaram a ser entregues ao projeto “Cozinha Cidadã e Cozinha Cidadã – Comunidades”, uma iniciativa da Prefeitura, que as recebia e distribuía na região da Praça da Sé e em vários outros pontos da capital.

A chef destacou outra realidade que uniu forças e gerou uma corrente do bem. “Com tudo fechado, soube que os produtores familiares, que dependem do funcionamento, em grande parte dos restaurantes, estavam perdendo as safras de legumes e hortaliças. Decidi ajudar comprando os itens para a produção das marmitas”, contou, reafirmando que se formou uma grande campanha para ajudar essas famílias que dependem do cultivo para o autossustento.

Karina Leite Noguti, 36, é administradora e fez a ponte entre o Duas Terezas e os agricultores familiares e coordenou várias campanhas solidárias no intuito de evitar o desperdício dos alimentos produzidos.

“Estamos imersos em uma cadeia circular, na qual a economia e as ações sociais precisam de parcerias e colaboração de todos”, disse, afirmando que outros restaurantes aderiram à iniciativa.

A dignidade pela via da caridade

“Todos podemos fazer algo pelo próximo. Ajudar o irmão é uma obrigação cristã, independentemente das ações, contribuir para amenizar a fome ou a miséria é papel de todos”, lembrou a chef que, entre as ações sociais, também tem como diretriz proporcionar oportunidades em sua equipe.

“Com incentivo, todos trabalham mais felizes, seja por meio do salário justo, seja pela promoção profissional. Atualmente, dois funcionários estão cursando a faculdade com o apoio financeiro do Duas Terezas”, detalhou.

Ricardo é pernambucano e já morou em muitos lugares. “Hoje, minha casa é embaixo de um viaduto. Meu colchão é papelão e sacos de lixo amontoados”, disse ele que vive na zona Leste e se desloca a pé, todos os dias, para pegar uma marmita. “É minha única refeição do dia. Às vezes, alguém me dá um lanche ou moedas para comprar um pão e um café”, contou, emocionado.

Odair é pintor. “Com a pandemia, fiquei desempregado e fui despejado do quartinho onde morava com a família, por não conseguir pagar o aluguel”, afirmou o homem que agora vive em situação de rua na região central da cidade. “Anjos solidários trazem marmitas para saciar a fome”, destacou, afirmando que, “durante o dia, a gente até aguenta e engana a fome, mas dormir com o estômago vazio é muito ruim”.

Cristiano também é um dos que vão com frequência ao restaurante Duas Terezas em busca de algo para comer. “A Mariana nunca negou um prato de comida. E que comida saborosa, feita com amor!”, disse o homem que dorme nas proximidades da Avenida Paulista.

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