Panegírico a Dom Paulo Evaristo Arns

Povo de Deus amado, Dom Odilo Pedro Scherer, bispos auxiliares, arcebispos e bispos vindos de perto de longe e padres, pastores deste povo! Representantes de outras igrejas e expressões religiosas! Autoridades políticas e jurídicas, servidores do mesmo povo.

Cada um de nós, presentes neste lugar sagrado, tem no coração, no pensamento, na memória, o homem de Deus, Paulo Evaristo Arns; o homem que nasceu há exatamente cem anos e que Deus quis seguidor de São Francisco de Assis, padre, bispo, arcebispo, cardeal e pastor da Igreja.

Vamos chamá-lo como sempre gostamos de chamar: Dom Paulo. Para muitos, era apenas Dom. Dom, de Dominus, Senhor, mas também dom de dádiva preciosa para sua família numerosa, para seus amigos, para as ovelhas e cordeiros de Cristo que lhe foram confiados, para a igreja no mundo, no Brasil e em São Paulo, Estado e Cidade.

Arquivo O SÃO PAULO

Celebrar o centenário

Esta Celebração Eucarística marca o início de tantas outras que durante um ano evocarão a figura, a obra e o legado de Dom Paulo Evaristo Arns para o presente e o futuro da Igreja em São Paulo.

Irmãos e irmãs. Este nosso encontro de fé, só poderia ser neste espaço sagrado, porque aqui Dom Paulo foi o que Cristo quis dele: participante de seu tríplice ministério de Sacerdote, Profeta e Pastor.

Dom Paulo Sacerdote

Aqui Dom Paulo celebrou as dores, as cruzes, as angústias de seu rebanho. Fez seus os clamores por justiça e por respeito aos direitos humanos. Aqui ele dava vez e voz aos sem vez e voz. E daqui, com a maior alegria do mundo, ele saia pela cidade afora, celebrando com seu rebanho nas mais humildes capelas, nos centros comunitários e nas paróquias de toda a cidade.

Aqui Dom Paulo, como sacerdote, ofereceu ao Senhor as dores dos sofredores. No altar, tornando o Corpo e o Sangue de Cristo presentes no altar, ele incomodou os poderes omissos e cruéis que faziam sofrer com a tortura, com o desaparecimento, com a morte, os que ousavam sonhar caminhos novos para o Brasil, os que sonhavam uma vida com dignidade para os brasileiros, aquela vida em abundância que Cristo veio trazer a cada mulher, a cada homem.

Aqui, os trabalhadores depositavam no altar os seus instrumentos de trabalho e pediam, ao Cristo Eucarístico, pão e justiça. Aqui Dom Paulo foi sacerdote.

Daqui, o sacerdote Paulo Evaristo partia para as igrejas e capelas da cidade para rezar a missa para seu povo e com seu povo.

Dom Paulo Mestre

Neste templo grandioso e bonito, Dom Paulo Evaristo falou a suas ovelhas e cordeiros, como mestre nas ciências de Deus. Sua voz forte semeou a esperança, virtude que tem tudo a ver com a Boa Notícia que Cristo trouxe ao mundo.

Sua voz vibrava neste espaço sagrado, e pedia que todos repetissem as frases mais fortes da mensagem que ele trazia no coração.

Ele também amava pregar o Evangelho onde quer que fosse chamado: paróquias, comunidades, centros comunitários, escolas, universidades.

Como Mestre, Dom Paulo escreveu livros, muitos livros e não dispensou os meios de comunicação da Igreja e os laicos para evangelizar. Afinal de contas, o Cristo quis que ele fosse o mestre de suas ovelhas, e dom Paulo o foi.

Dom Paulo Pastor

Ainda nesta belíssima e grandiosa Catedral, patrimônio artístico da cidade, Dom Paulo reunia as ovelhas, se alegrava com as que estavam presentes e se preocupava com as que estavam lá fora, como fome de Deus e com fome de pão.

Daqui, em nome de Cristo, o Pastor dos pastores, Dom Paulo partia para encontrar as ovelhas perdidas no abismo das prisões, onde o ser humano, imagem e semelhança de Deus, era submetido a vergonhosas torturas.

Bom Pastor, ele chorava e sofria com as que estavam sufocadas nos espinheiros da pobreza, da marginalização, do abandono nas ruas, pontes e marquises dos prédios. Corria atrás das ovelhas pela cidade, onde elas estivessem, nas periferias, nas ruas, nas prisões, nos hospitais.

Aqui, Dom Paulo, com líderes religiosos cristãos e não cristãos, confiou a Deus a alma de tantos heróis do povo – religiosos, jornalistas, líderes sindicas – que testemunharam com a vida, a fome e sede de justiça de tantos. Era preciso buscar aqui a coragem do Pastor dos pastores. A partir daqui e pela cidade afora, Dom Paulo foi o pastor que o Cristo Pastor desejou que ele fosse.

O chamado e a resposta

Deus escolheu, chamou e preparou Dom Paulo para a missão. Fez dele membro de uma família cristã, família, uma família de migrantes alemães, de profunda fé e oração. Neste ambiente sereno, o jovem Paulo ouviu o chamado de Cristo e deu o seu “sim”. Neste mesmo ambiente, um irmão e quatro irmãs também disseram o mesmo “sim” generoso ao chamado do Senhor.

Iniciou seus primeiros estudos em sua cidade natal, Forquilhinha, Santa Catarina. Aos 13 anos, matriculou-se no seminário franciscano São Luiz de Tolosa, em Rio Negro, Paraná. Em 1940, iniciou o noviciado em Rodeio, Santa Catarina. Em 1945, foi ordenado sacerdote em Petrópolis, Rio de Janeiro. Dedicou-se, então, com muito carinho, ao ministério sacerdotal junto à população carente de Petrópolis.

Dava gosto ouvir Dom Paulo falar sobre seu convívio com os pobres dos morros de Petrópolis. Que tempos de aprendizado pastoral foram, para ele, os dez anos de evangelização naquele território de missão. Amava os pobres e era pelos pobres amado.

A formação intelectual e teológica de Dom Paulo fez dele professor do Instituto Teológico Franciscano e na Universidade Católica de Petrópolis. Ele bebeu também a sabedoria e a espiritualidade dos doutores da Igreja na Universidade de Sorbonne, em Paris, onde doutorou-se em 1952, defendendo tese sobre a técnica do livro em São Jerônimo. E de volta ao Brasil, lecionou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Agudos e em Bauru. Voltou a Petrópolis e novamente voltou aos morros, ao encontro dos pobres.

Mas o Senhor queria mais daquele filho de São Francisco. Fez dele bispo auxiliar do Cardeal Arcebispo Dom Agnelo Rossi, para a Região Episcopal de Santana. Na bagagem ele trouxe sua profunda espiritualidade, e sua sólida formação teológica, colocadas a serviço do Povo de Deus. Na Região Episcopal Santana, equipes de leigos bem preparados por ele, percorriam as paróquias e comunidades num mutirão evangelizador jamais visto.

Mas o Senhor Deus queria mais ainda dele. E o bispo dom Paulo se tornou Arcebispo Metropolitano de São Paulo, em 1970. No Brasil, o regime militar cometia crimes impensáveis em nome da segurança nacional. Foi então que dom Paulo, em 1972 criou na Arquidiocese a Comissão Justiça e Paz. Ele sentiu que era preciso dizer não aos abusos da ditadura. Diziam os membros dessa Comissão que a coragem de dom Paulo os impedia de ter medo. A defesa dos direitos da pessoa era um imperativo divino.

E o arcebispo foi feito Cardeal. E o Cardeal, pensando nos pobres, vendeu o Palácio Episcopal, foi morar numa casa humilde, e com o dinheiro arrecadado ergueu centros pastorais nas periferias e instalou Comunidades Eclesiais de Base, onde a realidade sofrida do povo era iluminada mostrada e julgada pela Palavra de Deus, transformada pela ação de seus membros.

Não faltaram tentativas de calar o Cardeal dos Direitos Humanos. Censuraram o seu jornal, emudeceram sua rádio, levantaram calúnias. Mas não se amordaça o Evangelho. Dom Paulo jamais deixou de exortar e encorajar e animar o Povo de Deus. Fez do púlpito desta catedral uma tribuna em que defendia os pobres. E mais ainda, ele evangelizou através de uma coleção preciosa de artigos, de entrevistas na imprensa e de 5 livros. Um livro escrito por muitas mãos contou a história das torturas para que esta prática cruel nunca mais acontecesse.

Os clamores do povo se tornaram, sob o comando de dom Paulo e seus bispos auxiliares e o clero arquidiocesano, prioridades pastorais. Dessas prioridades nasceram as pastorais sociais que até hoje acolhem os pequenos e pobres e os fazem entender que Deus não desiste deles, que Deus lhes quer bem.

Quando a AIDS feriu a tantos, o Cardeal Arcebispo criou casas de acolhimento sem se deixar levar por preconceitos. As crianças brasileiras também foram contempladas com a Pastoral da Criança, sob a inspiração de dom Paulo que confiou a missão a sua irmã, o anjo bom Doutora Zilda Arns.

Seu respeito ao mundo da comunicação fez com que fizesse deste mundo um vicariato. Sua preocupação com os irmãos em situação de rua também o fez criar um vicariato para eles.

A dedicação de dom Paulo fez com que ele recebesse prêmios e doutorados honoris causa dentro e fora do Brasil. Sem deixar-se levar por tantas honrarias ele continuou seu serviço a Deus e à Igreja, usando seus prêmios para construir centros comunitários nas periferias.

Esperança sempre!

Senhores, senhoras, temos um ano pela frente, o Ano do Centenário deste Homem de Deus, do nosso querido Dom Paulo. Quero concluir lembrando que ele viveu profundamente as três virtudes teologais: Fé, Esperança e Caridade. Sua fé e o seu amor incrível a Deus e ao próximo fez dele o homem da esperança. Não sem razão, portanto, ele podia clamar para nós todos, nos momentos mais difíceis: Coragem! Esperança sempre!

Quanto doutorados Honoris Causa, quantos prêmios internacionais lhe foram outorgados pela sua luta em favor da justiça. Os prêmios foram aplicados em centros comunitários, numa paróquia ambiental para os pobres em situação de rua  e numa magnífica casa que reúne os padres idosos, os professores e os estudantes de Teologia.

Já terminando, é preciso dizer o quanto Dom Paulo Evaristo Arns amou São Paulo Apóstolo, amou São Paulo, a Arquidiocese, São Paulo Estado, São Paulo Cidade. Enganam-se aqueles que enxergam em Dom Paulo apenas uma figura pública. Não! Não! Não! Ele foi um homem de Deu; um homem de oração; um homem animado por profunda mística; homem de Deus que diariamente tomava o Cristo presente na mesa do altar. E foi esta mística que fez dele o Sacerdote, o Mestre , o Pastor, o Cardeal da Esperança, dos Direitos Humanos, da Defesa dos Pobres.

Daqueles que tiveram a graça de conviver com esse homem certo para o momento certo da Igreja e do mundo, muitos estão aqui. Ele contou com uma legião de colaboradores, todos tocados pelo seu coração de Pastor. A todos e a cada um, ele tinha palavras de entusiasmo e coragem. Ele amou o Cristo, amou o Papa, amou o episcopado nacional, amou os seus padres, tendo ordenado 294 deles, os quais conhecia pelo nome. Amou cada ser humano, viu o rosto desfigurado de Cristo nos rostos desfigurados pela pobreza, pelo abandono, pela marginalização.

Permitam-me, então, dizer a todos os presentes que o Ano do Centenário que começamos hoje, quer o nosso caríssimo Arcebispo, Dom Odilo Pedro Scherer, que seja não apenas para olhar para trás, mas para se tomar consciência do magnífico legado que Dom Paulo Evaristo Arns nos deixou. Deus seja louvado pela inspiração e decisão de Dom Odilo de nos convocar para um ano de celebração deste homem de Deus.

Celebremos, sim. Celebremos nossa saudade, nossa alegria, nossa gratidão, nossa admiração pelo Cardeal da Esperança, que evangelizou esta cidade onde mora Deus.

E tomo a liberdade de dizer como ele dizia a todos nós, nos momentos  alegres e tristes: ‘Coragem! Esperança sempre!”.

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