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Sigrid Marz: ‘O líder cristão é chamado a unir competência e compaixão, eficiência e ternura’

É o que destacou a senhora Sigrid Marz, presidente da Uniapac Internacional, que em novembro esteve em visita ao Brasil para dialogar com bispos, empresários cristãos e membros de universidades

A presença no Brasil de Sigrid Marz, presidente da União Internacional de Associações de Empresários Cristãos (Uniapac Internacional), em novembro, mostrou que o diálogo entre fé, ética e economia é algo possível e, cada vez mais, necessário.

Em agenda oficial, Sigrid participou do XIV Encontro de Diálogo de Bispos e Empresários, em Brasília (DF), e teve compromissos estratégicos em São Pau­lo, incluindo a palestra na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e uma reunião com o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metro­politano. Nestas atividades, ela destacou o papel da Uniapac como ponte global entre lideranças empresariais cristãs e a missão social da Igreja.

Em entrevista a O SÃO PAULO, Si­grid Marz comentou que “estar em cam­po e escutar de perto as realidades locais é indispensável para compreender como a Doutrina Social da Igreja se converte em decisões concretas, capazes de gerar vida, trabalho e esperança”.

À frente de uma rede que reúne diri­gentes cristãos em diversos continentes, ela afirma que o Brasil se apresenta como um terreno particularmente fecundo. Aqui, ela encontrou a Associação de Di­rigentes Cristãos de Empresa (ADCE) ativa, articulada e comprometida com a formação de lideranças, promovendo di­álogo, ações de impacto e iniciativas que colocam a dignidade humana no centro do mundo corporativo.

‘EMPREENDER COM FÉ SIGNIFICA OLHAR O OUTRO’

No encontro com os bispos e em­presários, promovido pela Uniapac, a ADCE Brasil e a Comissão Episcopal para Cultura e Educação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, ela reforçou que “empreen­der significa, antes de tudo, fortalecer uma liderança que reconhece a empre­sa como uma verdadeira comunidade de pessoas”, uma visão que, segundo a dirigente europeia, precisa orientar cada decisão econômica e cada projeto empresarial.

O documento final do encontro sin­tetiza este espírito: “Vivemos um tempo de profundas transformações, mas re­novamos nossa esperança ativa, movida pela fé em Cristo, certos de que cada de­cisão empresarial pode se tornar um ato de amor e de serviço”.

Para a Sigrid Marz, o empresário cris­tão deve ser testemunha de esperança em meio à instabilidade global, à desigual­dade e ao desgaste emocional que afeta líderes e trabalhadores. “O líder cristão é chamado a unir competência e compai­xão, eficiência e ternura”, reforçou.

Os participantes identificaram desa­fios centrais deste tempo como perda de referências éticas, crise ambiental, soli­dão, ansiedade, desigualdade crescente, e reafirmaram que a economia precisa recuperar sua alma.

“O lucro é um meio, não um fim”, recordou Sigrid, citando o exemplo do Venerável Enrique Shaw, referência espi­ritual da organização.

TRABALHO DIGNO E SAÚDE MENTAL

Em São Paulo, Sigrid Marz proferiu uma conferência na Fiesp a empresários interessados em compreender o impacto humano das novas dinâmicas de traba­lho. A executiva lembrou que, ao colocar metas acima de pessoas, as empresas aca­bam criando ambientes silenciosamente adoecidos.

“Nenhuma companhia tem o direito de destruir a humanidade em nome de resultados financeiros”, afirmou. Ela en­fatizou que saúde mental não pode ser tratada como benefício ou gesto de gen­tileza, mas como responsabilidade ins­titucional: “Cuidar da mente e do bem­-estar não é concessão, é uma exigência ética”. Para a conferencista, o futuro do trabalho depende de organizações que saibam reconhecer limites, ritmos e vul­nerabilidades humanas.

Sigrid Marz enfatizou que não exis­te cultura de bem-estar sem líderes que deem exemplo. “A escuta ativa é revo­lucionária. Quando o trabalhador sente que é visto, a empresa inteira respira”, declarou.

Ela citou iniciativas europeias de pre­venção acompanhamento emocional como referências possíveis para o Bra­sil, reforçando que políticas de cuidado reduzem afastamentos, fortalecem a confiança interna e devolvem sentido ao trabalho.

UM RETRATO BRASILEIRO

Tratar da saúde mental no ambiente corporativo deixou de ser pauta opcional e tornou-se urgência comprovada pelos números. Dados do INSS e do Observa­tório de Segurança e Saúde no Trabalho mostram que, somente em 2024, foram concedidas 472.328 licenças médicas por transtornos mentais e comportamentais, o maior volume em pelo menos uma dé­cada. O salto foi de 68% em relação ao ano anterior.

Entre os diagnósticos mais recorren­tes estão transtornos de ansiedade, epi­sódios depressivos, depressão recorren­te e reações ao estresse, compondo um quadro que acende alertas em todos os setores da economia. Estimativas nacio­nais ainda indicam que cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros convivem com a síndrome de esgotamento profissional (burnout).

Diante desse cenário, Sigrid Marz re­forçou que o cuidado com a saúde men­tal não é acessório, mas parte estrutural do trabalho digno. “Não há desempenho sustentável sem cuidado com a saúde mental”, afirmou, citando o caso de uma empresa europeia que alcançou 80% de engajamento interno, índice muito aci­ma das médias globais. Segundo rela­tou, quando um professor universitário duvidou desse número por destoar das estatísticas econômicas, o proprietário da empresa respondeu: “Realizamos pesquisas com os funcionários por meio de uma empresa externa, e o resultado foi de 80% de aprovação. Você pode su­perar as estatísticas se tratar bem seus funcionários”. Para Sigrid, o exemplo confirma o que estudos já demonstram: o bem-estar dos trabalhadores contribui de forma direta para desempenhos su­periores. Ela acrescentou que a Doutri­na Social da Igreja oferece um horizon­te consistente para essa mudança, com princípios como dignidade da pessoa, solidariedade, bem comum e subsidia­riedade, orientando decisões e políticas internas. “A empresa é uma comunida­de de pessoas, não uma máquina de lu­cro”, concluiu. “E cada líder cristão deve ser sinal de esperança no ambiente de trabalho.”

IA GENERATIVA E HOME OFFICE REDEFINEM RELAÇÕES DE TRABALHO

Uniapac

Sigrid Marz também trouxe ao Brasil reflexões sobre as mudanças que atraves­sam o mundo do trabalho na Europa: modelos híbridos, digitalização acelera­da e o avanço da Inteligência Artificial (IA) generativa. Para ela, essas transfor­mações pedem novos códigos éticos e políticas de transparência.

“Independentemente da tecnologia, bons bens, bom trabalho e boa riqueza continuam sendo os pilares da vocação empresarial”, afirmou.

A dirigente alertou para o risco de isolamento e perda de pertencimento no ambiente corporativo, um cenário que exige reforço de vínculos comunitá­rios e práticas de gestão que valorizem a pessoa.

‘O BRASIL É UM LABORATÓRIO VIVO’

Um dos focos da visita de Sigrid Marz foi fortalecer a parceria entre a Uniapac Internacional e a ADCE Bra­sil. Ela destacou que o País oferece ex­periências inspiradoras, especialmente na construção de redes entre bispos e empresários.

Segundo Sigrid, a missão agora é le­var esse modelo para a Europa, África e Ásia, ampliando a cooperação entre empresas, dioceses e universidades para formar novas lideranças cristãs.

O encontro com o Cardeal Odilo Scherer aprofundou esse diálogo, com ênfase na formação de dirigentes e na presença da ADCE nas dioceses.

Comentários

  1. Isso significa que a empresa ou organização não deve ser vista apenas como “geradora de lucro”, mas como uma comunidade de pessoas, com sonhos, fragilidades, dignidade.

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