Relatório global alerta para o crescimento da ‘perseguição religiosa educada’

(Foto: Getty Images)

O Relatório Liberdade Religiosa no Mundo 2021 apresentado pela Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (Aid to the Church in Need – ACN) nesta terça-feira, 20, mostra que, além da crescente perseguição religiosa violenta em países da África, Oriente Médio e Ásia, houve um aumento da “perseguição educada”, termo cunhado pelo Papa Francisco para descrever como novas normas e valores culturais entram em profundo conflito com os direitos individuais à liberdade de consciência, e consignam a religião “aos distritos fechados de igrejas, sinagogas ou mesquitas”.

Segundo o documento, observou-se o surgimento de “novos ‘direitos’, novas normas culturais criadas de acordo com valores em evolução, que remetem as religiões ‘para a obscuridade silenciosa da consciência do indivíduo ou as relegam para os recintos fechados das igrejas, sinagogas ou mesquitas’”.

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Acesse o Relatório completo de Liberdade Religiosa no Mundo – 2021

Um dos exemplos indicados é que, em diversos países da chamada Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) – composta por 57 países, todos da Europa (incluindo a Federação Russa e os países da União Europeia), da Ásia Central e da América do Norte (Canadá e Estados Unidos) – o direito à objeção de consciência por motivos religiosos para profissionais de saúde e farmacêuticos já́ não está significativamente protegido por lei.

Outros exemplos são as disposições relativas ao direito dos grupos religiosos a gerirem as suas próprias escolas de acordo com seus próprios costumes e identidade estão também em perigo em vários países.  Além disso, os licenciados de determinadas universidades confessionais veem cada vez mais recusado o acesso a certas profissões. Pais de diversas religiões continuam protestando contra as políticas que exigem que os seus filhos aprendam determinadas disciplinas, tais como a educação sexual, que entram em conflito com os princípios das suas religiões.

O Documento aponta que esses novos direitos, consagrados na lei, resultam em um profundo conflito dos direitos individuais à liberdade de consciência e de religião com a obrigação legal de cooperar com estas leis. “Esta dissonância já teve, e continuará a ter, um forte impacto em mais de 84% da população mundial que, segundo o Pew Research Center, descreve-se como pertencendo a uma religião ou crença”, enfatiza.

Pandemia

Ainda segundo o relatório da ACN, a pandemia de COVID-19 abriu um importante debate em todo o mundo sobre os direitos fundamentais da pessoa humana, incluindo o direito à liberdade religiosa, as implicações do excesso de alcance legislativo e a questão sobre se, em alguns casos, os governos agressivamente seculares são capazes de discernir adequadamente a importância destes direitos.

Os relatórios dos países da América Latina indicam que as restrições impostas às populações foram geralmente respeitadas, com os líderes religiosos cooperaram com os governos para persuadirem os fiéis a seguir as medidas.

O caso do Uruguai é apontado como referência, pois, em vez de imporem unilateralmente restrições, as autoridades contataram as várias comunidades religiosas para coordenar uma abordagem unificada. “As comunidades religiosas também contribuíram para o esforço de contenção da pandemia, disponibilizando instalações de saúde como hospitais e clínicas, e edifícios para fornecer abrigo e refeições aos sem-teto.

(Reprodução de ACN)

Secularização

O Relatório observa que em vários países da América Latina, houve um debate crescente sobre o papel do laicismo, sobre o que significa um Estado secular e sobre o espaço dado à liberdade religiosa na esfera pública.

“Neste discurso social, certos grupos apresentaram o direito à liberdade religiosa como oposto à natureza secular do Estado. Isto foi contrariado por argumentos de que a secularização não retirava aos governos a obrigação de garantir o direito do indivíduo a ter fé́, ou não, e de organizar a sua vida pública de acordo com as suas crenças”, destaca.

Brasil

No caso específico do Brasil, assim como os relatórios anteriores, as religiões afro-brasileiras continuam sendo as mais perseguidas no país, seguidas das religiões esotéricas e animistas. No entanto, a grande diferença no momento atual é a politização da religião e as suas consequências para toda a vida social.

Atualmente, existe uma nova escalada de agressividade associada à intolerância religiosa no país. O levantamento sublinhou que o País vem sofrendo um acirramento dos conflitos referentes à sua concepção de Estado laico e da autonomia da política em relação à religião. Indica, ainda, que a campanha presidencial de 2018 politizou a questão religiosa.

“Esta politização dos temas religiosos parece ser característica da polarização sociopolítica atual do Brasil. Estudos com boletins de ocorrência no estado de São Paulo mostraram que as denúncias de crimes relacionados com a intolerância religiosa aumentaram cerca de 171% no período das eleições presidenciais de 2018 em relação aos mesmos meses do ano anterior”, chama a atenção o Relatório.

Aspectos positivos

O Relatório destaca que em seis países – Brasil, Chile, Costa Rica, Honduras, Jamaica e Colômbia –, o direito à liberdade religiosa recebeu proteções adicionais das decisões dos tribunais superiores. Reconhecendo o papel positivo da fé́ em tempos de crise, em vários países, incluindo muitos no Caribe, os eventos religiosos tradicionais populares foram mantidos, embora com algumas restrições devido à pandemia.

No Brasil, foi criada a Coordenação da Liberdade de Religião ou Crença, Consciência, Expressão e Acadêmica e elaboradas duas cartilhas sobre o tema. A primeira, “Liberdade religiosa. Um guia de seus direitos”, é um documento geral sobre o tema, voltado a toda a população. A segunda, “Protocolo para organizações religiosas e da sociedade civil sobre atendimento e acolhimento à população em situação de rua no âmbito da pandemia da COVID-19”, é direcionado especificamente às organizações sociais, muitas delas religiosas, que atendem os sem-teto, procurando garantir a liberdade religiosa no atendimento a estas populações no período da pandemia.

Também está instituído no Brasil um Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, comemorado em 21 de janeiro, no qual são realizadas várias atividades em todo o país com a colaboração do governo federal, dos governos locais e de organizações sociais. Além disso, estados e municípios contam com órgãos e associações dedicados ao tema. No estado de São Paulo, por exemplo, existe o Fórum Inter-Religioso para uma Cultura de Paz e Liberdade de Crença, com representação de 22 grupos religiosos.

O relatório

Publicado pela primeira vez em 1999, o relatório bienal analisa até que ponto o direito humano fundamental à liberdade religiosa, protegido pelo artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é respeitado por todas as religiões dos 196 países.

O evento de apresentação do Relatório no Brasil acontecerá na próxima terça-feira, 27, a partir das 19h, com transmissão pelos canais da ACN Brasil no Youtube e pelo Facebook da ACN Brasil.

Participarão da transmissão Dom Walmor de Oliveira, Arcebispo de Belo Horizonte e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); do Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo; do Cardeal Orani Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro; e do Cardeal Sergio da Rocha, Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil.

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