Dom Carlos Silva: ‘Se queremos evangelizar, precisamos criar proximidade’

Uma semana antes de sua ordenação episcopal, em 13 de fevereiro deste ano, Dom Carlos Silva, Bispo Auxiliar da Arquidiocese, percorreu o território da Região Brasilândia, para a qual foi designado como Vigário Episcopal pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano. Já ordenado, assumiu o propósito quaresmal de visitar todas as paróquias e comunidades da Região, e assim o fez, para além dos dias da Quaresma, incluindo algumas semanas do Tempo Pascal.

Dom Carlos Silva, OFMCap, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, em uma das comunidades paroquiais na Brasilândia

Nesta entrevista, o Bispo, de 58 anos, religioso da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (OFMCap), fala sobre as situações que presenciou e do testemunho de fé e caridade da Igreja nas diferentes realidades da metrópole. 

O SÃO PAULO – O que motivou o senhor ao propósito quaresmal de visitar todas as paróquias da Região Brasilândia?

Dom Carlos Silva – A primeira motivação foi a de que somente amamos aquilo que conhecemos. Como poderei trabalhar em uma região se não conheço seus padres e suas lideranças? Com a missão de ser bispo nesta realidade, queria vê-la com meus olhos, senti-la com minhas próprias mãos e pés, ouvir os padres e o povo, para conhecer as suas histórias, sonhos, expectativas e esperanças. Por isso, fui ver o rosto das pessoas e localizar-me geograficamente. No fim, essas visitas ultrapassaram a Quaresma e chegaram ao tempo da Páscoa. Estive nas 36 paróquias, duas áreas pastorais e entrei em 181 comunidades. Visitei as religiosas, conversei com cada padre e conheci líderes nas comunidades. Acredito que se queremos evangelizar, precisamos criar proximidade.

Feitas as visitas, o senhor já tem uma espécie de diagnóstico sobre essa múltipla realidade?

Há apenas três meses pisei na Brasilândia. Além disso, vivemos um tempo especial, de pandemia. Assim, ainda é cedo para um diagnóstico, mas já posso falar em primeiras impressões. Esta é uma Região que tem uma longa e bela história, com lutas sociais e pastorais, contadas pelas próprias pessoas. Já passaram por aqui grandes bispos, religiosas e padres fantásticos, lideranças pastorais que deram a vida por essas comunidades. Percebi, ainda, uma Região bem organizada, de modo que hoje o que precisamos é rearticular melhor a vida pastoral, que talvez tenha sido um pouco desanimada pela pandemia. Por exemplo: cada paróquia tem trabalhos sociais, de caridade, maravilhosos, mas “cada um no seu quadrado”. Assim, percebo que falta uma melhor articulação em nível regional. Notei, ainda, que a Igreja conquistou seu espaço nas redes sociais e tem atuado nelas, e, também, se mantém presencialmente. Em uma das comunidades que visitei, por exemplo, um casal que pertence à Pastoral Litúrgica, três vezes por semana, leva a imagem de Nossa Senhora até a porta da casa daquelas pessoas que são do grupo de risco e não podem ir à igreja. Com a companhia de outro casal, eles chegam, batem palmas, são recebidos e, da porta, tocam e cantam uma música para essas pessoas. Olhe que iniciativa! Isso é reinventar a ação pastoral em tempos de pandemia.

Quais foram os principais anseios relatados pelos fiéis e os padres?

Por meio das poucas pessoas com as quais tive contato nas comunidades, foi possível entender que há uma necessidade de que estejamos próximos, de que haja missas presenciais, há o anseio de celebrar, de estar junto, de poder abraçar. Quanto aos padres, conversei com todos, conheci suas histórias, sonhos e preocupações. Percebi que são homens como qualquer outro ser humano e que precisam de ajuda e atenção. A partir disso, tenho ligado para eles, mandado mensagem para saber como estão. Muitos deles não têm retirado sua côngrua [remuneração mensal a que têm direito, equivalente ao salário], para poder pagar os funcionários. Vemos entre as paróquias, padres e lideranças que a fraternidade tem sido um princípio motivador.

O que mais o surpreendeu nessas visitas?

Nos dois últimos anos, trabalhei em Roma como Conselheiro-Geral da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos. Era algo mais de cunho administrativo. Assim, foi uma surpresa muito grande voltar a essa realidade de missão, na qual não “caio de paraquedas” porque, ao longo destes quase 29 anos de sacerdócio e como religioso, tive a oportunidade de estar em realidades extremas, referentes à violência e pobreza. Mergulhar na vida deste povo é resgatar aquele amor primeiro.

No começo de sua vida religiosa, o senhor viveu em uma favela em Piracicaba (SP) e, como missionário, esteve nas periferias do México. Algo vivenciado nessas visitas recentes lhe foi impactante, inesperado?

Eu estive em uma comunidade, em Perus, que está em uma favela. Fomos recebidos por alguém que já sabia que nós iríamos. Com um radiocomunicador na mão, ele perguntou: “Vocês são os bispos?” Estávamos o pároco, o coordenador da comunidade e eu. “São? Então, podem entrar”, disse a pessoa. Em frente à comunidade da igreja, havia um garoto, que certamente não tinha mais do que 13 anos, com um bolo de dinheiro na mão e um saco. Ali era uma “biqueira”, como se diz aqui sobre os locais de venda de drogas. Diante de uma realidade assim, você se pergunta: “O que fazer?” Entretanto, ali, naquela pequena comunidade, está a presença de Deus, pois as pessoas continuam rezando, acreditando, tendo esperança de que aquela situação toda pode mudar. E, diante daquele adolescente, o que podemos esperar? Ou melhor: o que ele pode esperar da Igreja? E o que nós, como Igreja, podemos oferecer?

Como o caminho de “comunhão, conversão e renovação missionária” proposto pelo sínodo tem sido vivido por essas paróquias?

O Vigário Episcopal anterior da Região Brasilândia, Dom Devair Araújo da Fonseca, atual Bispo de Piracicaba, foi secretário do sínodo e começou a aplicar aqui na Região tudo o que é proposto pelo caminho sinodal. Neste tempo de pandemia, as paróquias e suas comunidades, em comunhão, renovaram seus métodos de evangelização, e realizam a partilha e a solidariedade com os mais necessitados. Tudo isso é gesto missionário de conversão. Resta ainda o desafio sobre como fazer com que as propostas do sínodo – que são as mesmas feitas por Jesus Cristo e seu Evangelho – atinjam o coração de todos. Como formiguinhas, aos poucos, estamos criando redes de solidariedade e, dessa maneira, esse caminho de comunhão, conversão e renovação missionária tem se tornado uma realidade.

Quais são os passos seguintes à realização dessas visitas?

Eu já me reuni com os sacerdotes de cada um dos seis setores pastorais para uma primeira avaliação sobre as visitas. O próximo passo é uma reunião com o conselho formado pelos padres que atuam na Região. Também conversarei com os diáconos. Depois disso, pensamos em fazer, no segundo semestre, uma assembleia com os padres e o povo.

O senhor também é o Bispo Referencial das Pastorais Sociais na Arquidiocese. Como tem dialogado com os agentes?

Tenho participado, sempre na primeira segunda-feira do mês, de uma reunião on-line. Na última, propus aos membros das pastorais sociais que  gostaria de conhecê-los, de saber o que têm feito, como começaram os trabalhos. Na última semana, já tive encontros com sete desses grupos. Meu propósito é conhecer a todos, para buscarmos caminhos de trabalho. Todas as pastorais sociais estão entrelaçadas e, portanto, temos que pensar em como fortalecer a comunhão eclesial entre esses grupos, a fim de que a ação de cada um concorra para construir o bem e o Reino dos céus, nas várias situações que vivemos na nossa sociedade. A grande palavra do momento é reinventar-se, e o Espírito de Deus, o Espírito Santo, sempre nos move.

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