‘Padre Gilson testemunhou a experiência daquele que encontrou a Jesus’

Disse o Cardeal Scherer ao presidir, na Catedral da Sé, a missa de 7o dia do sacerdote que morreu no dia 21 em decorrência de complicações da COVID-19

Cardeal Scherer e os Padre Gianpietro e Paulo, da Missão Belém, na missa de Sétimo Dia do Padre Gilson dos Reis (fotos: Luciney Martins/ O SÃO PAULO)

Com a saúde impactada pelo vício das drogas, vivendo na região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo, e sem perspectivas de um futuro melhor, um dia o jovem Gilson Frank dos Reis, então com 21 anos, ouviu de uma humilde senhora uma frase que mudaria sua vida: “Jesus te ama”. Depois disso, com a ajuda da mãe, Benedita da Silva, buscou uma clínica de recuperação, deixou o vício e em 2005 foi um dos que iniciou as ações da Missão Belém, uma associação de fiéis que realiza um trabalho pastoral voltado à população em situação de rua e com dependência química.

Em julho deste ano, Padre Gilson – ordenado sacerdote em dezembro de 2016 – foi às ruas junto a outros membros da Missão Belém para resgatar pessoas do mundo das drogas ou “saquear o inferno”, como costumava dizer.

Nos quatro dias de missão, cerca de cem pessoas aceitaram o convite para iniciar a luta contra o vício. Dias depois, o Sacerdote começou a apresentar os sintomas da COVID-19. Diagnosticado com a doença, foi internado, intubado e não resistiu, falecendo no dia 21, aos 45 anos de idade.

Na manhã do sábado, 28, na Catedral da Sé, o itinerário do sacerdote que foi resgatado por Deus e entregou a vida pelo próximo foi recordado durante sua missa de 7o dia, presidida pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano, e concelebrada por 20 padres, entre os quais o Padre Gianpietro Carraro, Fundador da Missão Belém.

“Ele era um emblema da Missão Belém, por mostrar o que a misericórdia de Deus pode fazer com uma pessoa”, afirmou Padre Gianpietro no começo da missa, quando também fez um relato emocionado sobre as últimas palavras que Padre Gilson, já debilitado pela doença, registrou em seu diário espiritual: “A última linha que ele escreveu como propósito foi ‘confiança’. Na linha de baixo, escreveu: ‘eu quero viver a minha vida para todos os consagrados, para que conheçam a felicidade de ser de Deus’”.

Entrega aos irmãos da rua

No começo da missa, Dom Odilo recordou que apesar da tristeza de todos pelo falecimento do Padre Gilson, aquele era um momento para render graças a Deus pelo que realizou na vida Sacerdote e pelo testemunho que deixou de dedicação aos pobres e de empenho pela recuperação dos dependentes químicos.

“Na dor, sim, mas também na ação de graças e no louvor celebremos esta missa para que Deus acolha o Padre Gilson e derrame bênçãos sobre a Missão Belém”, disse o Arcebispo.

A liturgia da missa foi feita com leituras representativas para a vida do Padre Gilson, com a 1a leitura (Is 43,1-7), na qual o profeta é enviado por Deus para dar renovado ânimo ao povo. “Padre Gilson um dia escutou essa palavra, ‘Jesus te ama’, e aquilo levantou o seu ânimo, deu-lhe coragem para que saísse da situação em que se encontrava, nas drogas, no desespero da vida”, disse Dom Odilo, destacando que anunciar o amor de Cristo, como faz a Missão Belém, não é algo em vão, mas, sim, uma atitude evangelizadora capaz de resgatar vidas.

“Tenho certeza que essa palavra, ‘Jesus te ama’, não só orientou e deu força à vida do Padre Gilson, mas à vida de muitos de vocês e que pode dar força e coragem a muitas outras pessoas. Também sei que o Padre Gilson quando encontrava as pessoas, falava: ‘eu também estive nas ruas, também estive nessa situação, mas Deus me ajudou e eu consegui superar, consegui sair’. Certamente, estas palavras ajudavam a muitos a superar a própria condição. Padre Gilson testemunhou a experiência daquele que encontrou a Jesus”, disse o Arcebispo.

Dom Odilo também lembrou que o Sacerdote possivelmente se contagiou com a COVID-19 ao ter contato com algum irmão da rua que estava com o vírus:  “Ele doou a vida pelo pobre, como já aconteceu com tantos ao longo da história da Igreja, que cuidando dos doentes também morreram”.

O Arcebispo comentou, ainda, que Padre Gilson proporcionou que muitos pudessem verdadeiramente encontrar a Cristo, conhecer o Evangelho e a graça restauradora de Deus, um exemplo que deve ser seguido por todos.

“Nós também podemos e devemos ajudar outros que querem ver Jesus. Muitas pessoas estão por ai caídas, achando que nem são dignas de se aproximar de Deus. Elas precisam ser ajudadas, precisam de alguém que lhes dê coragem para fazer também esta experiência de encontro com Deus que muda a vida”.

Recordando o Evangelho proclamado na missa (Jo 12, 20-28), Dom Odilo mencionou que Padre Gilson teve uma vida desapegada aos bens e aberta à vontade de Deus, algo a ser imitado por todos os cristãos: “Escolher Deus nem sempre é fácil, nem sempre é cômodo, mas é libertador. Traz vida, esperança, e é por isso que o Padre Gilson, que experimentou essa mudança na própria vida, pôde ter essa mesma alegria e esperança”.

A missão precisa continuar

Ainda na homilia, o Arcebispo exortou que os membros da Missão Belém continuem com as ações evangelizadoras e caritativas, tão necessárias diante do grande número de pessoas em situação de rua, dos quais muitos consumidos pelo vício das drogas.

“Quantos irmãos caídos, quantos que precisam que alguém lhes estenda a mão, que lhes diga ‘Jesus te ama’. Coragem! Que Deus ajude vocês, que perseverem e que possam colher muitos frutos, muita alegria nesta missão”, afirmou o Arcebispo ao concluir ao homilia, pedido que foi reforçado por ele ao fim da missa.

Cofundadora da Missão Belém, a Irmã Cacilda da Silva Leste disse não ter dúvidas de que Padre Gilson agora já contempla a Deus na eternidade de forma plena e deve servir de inspiração para que os trabalhos continuem: “Que hoje também nós, ao sair daqui, possamos anunciar a cada pessoa que encontrarmos: ‘Jesus te ama’, acreditando que este amor de Deus nos salva, nos coloca de pé e nos faz encontrá-lo. Que assim como o Padre Gilson, possamos ser portadores dessa experiência de amor”.

O mesmo pedido foi feito pelo Padre Gianpietro: “Padre Gilson se entregou de verdade, se entregou com toda a sua humanidade. Que hoje cada um de nós renove o seu sim a Deus”.

Ao lado da filha, Kelly Cristina, a senhora Benedita, mãe do Padre Gilson, acompanhou a missa de 7o dia, confiante de que o filho, que faleceu segurando sua mão, já está junto a Deus.

“Meu coração está triste pela perda, mas, ao mesmo tempo, feliz por tudo que ele fez pelos pobres, feliz por todos que o amam. Agora tenho que conviver com a dor. É uma dor terrível, mas ele está nos braços de Deus e eu fico feliz por isso”, disse em entrevista ao O SÃO PAULO ao fim da missa.

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Fernando Dias da Silva
Fernando Dias da Silva
2 anos atrás

Eu tive a graça de experimentar o amor de Deus , através do anúncio da palavra através do padre Gilson , aprendi também ser um pouco solidário ao próximo e até mesmo confrontar alguns cordenadores das casa de acolhida , estive por dois anos , experimentando o amor de Deus dentro casas da missão , éramos um pequeno grupo de ia anunciar a palavra de Deus dentro de algumas casa da missão Belém , com isso a procura de algumas pessoas querendo sair , das drogas me procurava pedindo ajuda , certa vez , tive uma dificuldade para arrumar duas vagas para dois dependentes químico , fui a procura do padre Gilson , expliquei o ocorrido , simplesmente me disse : – só pergunta para eles da onde que eles vinheram , com isso me mostrou a verdadeira misericórdia para com o próximo