Papa critica o uso político da religião e destruição ‘em nome de Deus’ na Hungria e na Eslováquia

Vatican Media

Antes que o Papa Francisco partisse para a Hungria e a Eslováquia, em sua primeira viagem internacional desde a cirurgia intestinal, em julho, muito se especulava sobre o tom político que ele poderia adotar em seus discursos.

No Leste Europeu marcado pelo período de ocupação nazista e comunista, misturam-se religião e política. Se olharmos, porém, sob esse viés sua passagem por lá, entre os dias 12 e 15, há que se notar que o Papa se concentrou na crítica à instrumentalização política da religião – e não na condenação deste ou daquele movimento específico.

Lendo a visita além da política, Francisco estendeu a mão aos membros da comunidade judaica e identificou na violência contra a dignidade humana um atentado contra o nome de Deus.

Um dia em Budapeste

Sua rápida passagem pela Hungria, apenas para celebrar a missa de encerramento do 52º Congresso Eucarístico Internacional, no dia 12, em Budapeste, levou muitos observadores a questionar se Francisco não estaria evitando o primeiro-ministro Viktor Orbán ou lhe mandando uma mensagem velada de hesitação.

Só para citar um possível ponto de tensão entre os dois: Orbán tem adotado políticas antimigratórias na Hungria (tema caro ao Papa Francisco) e uma postura duramente anti-islâmica. Ele também tem criado tensões na comunidade europeia, por buscar uma gradual concentração de poder em suas mãos, tida por outros líderes do continente como antidemocrática.

Francisco teve com Orbán uma reunião cordial, em um museu, e que não foi tão curta: durou 40 minutos. Também participou o presidente János Áder. Segundo o Vaticano, eles falaram de temas que têm em comum, como a Igreja presente na Hungria, questões ambientais e promoção da família.

Como é comum, o Papa também se reuniu com bispos locais e outros membros dIgreja, assim como líderes de outras tradições cristãs. Durante a missa, que naturalmente tinha como centro da liturgia e da pregação a Eucaristia, o Papa Francisco alertou para o risco de confundir Deus com “messias poderosos, vencedores e adorados pelo mundo”, sinalizando que o uso da religião para fins políticos é algo a ser evitado.

“A Eucaristia está diante de nós para recordar quem é Deus”, declarou. Nas palavras do Papa, o Deus verdadeiro é aquele que esvazia a si mesmo com amor, se entrega na Cruz. E “a Cruz nunca está na moda”, disse ele. Aqueles que se apresentam como líderes iluminados, hoje, muitas vezes atraem para si toda a glória – algo que Cristo não fez.

“Como é diferente Cristo, que se propõe só com amor”, afirmou. “Jesus nos sacode, não se contenta com declarações de fé, nos pede para purificar a nossa religiosidade diante de sua Cruz, diante da Eucaristia”, acrescentou, defendendo a adoração eucarística como importante forma de encontro com Cristo. Admirando-o, é possível imitá-lo, explicou o Pontífice na Praça dos Heróis, em Budapeste.

Amizade e dor com os judeus

Além dos encontros com bispos e religiosos da Eslováquia, o Papa Francisco também se reuniu com representantes de diferentes comunidades cristãs. Celebrou, inclusive, uma “divina liturgia” em rito bizantino – tradicional para algumas Igrejas cristãs orientais. Aos jovens, disse que “a verdadeira originalidade e a verdadeira revolução de hoje é se rebelar contra a cultura do provisório”, é “amar toda a vida com todo o seu ser”. Também acolheu os membros da comunidade Rom (conhecidos popularmente como “ciganos”).

Um ponto alto da viagem ao país foi o encontro com membros da comunidade judaica, em uma praça que no passado foi de um bairro hebreu, destruído posteriormente. Os judeus da Eslováquia sofreram muito com a perseguição dos nazistas, no contexto da 2ª Guerra Mundial. Nas palavras do Papa, “a sua história é nossa história, a sua dor é a nossa dor”.

Mais uma vez – como na Hungria –, falou de situações em que a religião foi instrumentalizada. “O nome de Deus foi desonrado, na loucura do ódio. Durante a 2ª Guerra, mais de 100 mil judeus eslovacos foram mortos. E, depois, quiseram apagar os traços da comunidade, aqui a sinagoga foi demolida”, recordou.

Quando se viola a dignidade da vida humana, “o nome divino, sua realidade pessoal” é violada. “Aqui o nome de Deus foi desonrado, porque a blasfêmia pior que Ele pode sofrer é aquela de usá-lo para os próprios fins, em vez de respeitar e amar os outros.”

E continuou: “Quantas vezes aqui o nome inefável do Altíssimo foi usado para indizíveis atos de desumanidade. Quantos opressores declararam ‘Deus está conosco’, mas eram eles a não estar com Deus”.

Francisco completou que “hoje não faltam ídolos vãos e falsos que desonram o nome do Altíssimo”, buscando apenas poder e dinheiro, acima da dignidade humana. “Estamos unidos, repito, ao condenar a violência, toda forma de antissemitismo, e no empenho para que não seja profanada a imagem de Deus na criatura humana.”

‘Aborto é homicídio’

No voo de retorno a Roma, o Papa Francisco falou com os jornalistas que o acompanharam no avião, como de praxe, e deu uma de suas respostas mais completas sobre o tema do aborto.

O Papa reiterou imediatamente que todo aborto “é um homicídio”. Basta ver os livros de embriologia, disse ele. “Na terceira semana de concepção, muitas vezes antes que a mãe descubra [estar grávida], todos os órgãos estão já ali, e também o DNA. Não é uma pessoa? É uma vida humana, ponto. E essa vida humana deve ser respeitada.”

Essa resposta, que ganhou as manchetes de muitas publicações, reflete o estilo do Papa Francisco. Dentro da tradição e da doutrina da Igreja, que ele reafirma com convicção, também adota uma postura pastoral, a de ir ao encontro dos pecadores dentro e fora da Igreja, mantendo sempre aberta uma porta de acesso.

“O que deve fazer o pastor?” “Ser pastor. Ser pastor, e não sair condenando. Ser pastor. E também pastor dos excomungados? Sim, é pastor e deve ser pastor com eles, ser pastor com o estilo de Deus. E o estilo de Deus é proximidade, compaixão e ternura”, disse o Pontífice.

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