Solidariedade e criatividade: o guarda-chuva usado vira saco de dormir para aquecer quem mais precisa

Casal idealizador da ação solidária busca por doação de guarda-chuvas em desuso; produto final é destinado às pessoas em situação de rua

Fotos: Arquivo pessoal

O que você faz com o guarda-chuva quando ele quebra? Se você costuma descartar ou simplesmente deixar de lado em algum canto da casa, saiba que nas mãos certas ele ainda tem muita utilidade. Tem gente transformando o tecido de guarda-chuva, que é impermeável e térmico, em saco de dormir para doar às pessoas em situação de rua.

É exatamente isso que o casal Kelen Messias, atendente comercial, e Luiz Rocha, gerente comercial, tem feito desde setembro do ano passado. Por meio da ação solidária chamada de “Guarda-chuva & Você”, o casal já produziu cerca de mil peças.

O nome escolhido para a ação visa reforçar que para ela acontecer alguém precisa doar o guarda-chuva quebrado, de qualquer modelo e tamanho. A cada cinco unidades, um saco é confeccionado. O resultado garante uma peça que protegerá do frio, do vento e da chuva a pessoa que o receber.

As doações podem ser feitas no Santuário São Judas Tadeu, no Jabaquara, onde Kelen e Luiz são paroquianos, e em outros pontos de coleta que apoiam a ação. Os endereços das paróquias e dos comércios que recebem as doações de guarda-chuva estão no final da reportagem.  

O desejo de realizar um ato concreto

Tudo começou após Kelen assistir uma reportagem que mostrava um padre distribuindo sacos de dormir a pessoas em situação de rua. “Ele mencionou algo feito com tecido de sombrinha velha com defeito. Ali me deu um start. Despertou em meu coração o desejo de buscar mais sobre o assunto”, lembra Kelen.

Então, ela pesquisou na internet informações sobre o reaproveitamento do tecido de sombrinhas na produção desses sacos que geralmente são usados por alpinistas para se proteger do frio.

“Deparei-me com vídeos em que algumas pessoas já executavam esse tipo de trabalho. Pedi inspiração a Deus, no sentido que Ele direcionasse meu coração para onde eu de fato deveria ir”, relata Kelen.

Com a ajuda do marido, Kelen decidiu começar a produzir em casa o equipamento para também doar às pessoas em situação de rua. “Comecei a divulgar entre familiares, amigos e pessoas da comunidade [da Igreja], pedindo apoio com doações de guarda-chuvas. Assim nasceu o projeto”, recorda.

Todos os dias, o casal se dedica à produção das peças. Durante a semana, isso ocorre após o expediente do trabalho. “Iniciamos por volta das 20h. Prosseguimos até à meia-noite, uma da manhã. Já nos finais de semana e feriados, a dedicação é por tempo integral”, conta Kelen.

Modelo feito sem desperdício

O saco de dormir produzido pelo casal têm em média 2,60m de comprimento e 1m de largura. Contém capuz e ainda segue acompanhado por um mini travesseiro. Ao ser dobrado vira uma bolsa, o que facilita o transporte.

“Adapto [ao saco] uma alça com sobra de outros tecidos que vamos guardando. Não descarto absolutamente nada”, assegura Kelen.

Ela também explica que se algum tecido estiver completamente danificado, muito velho ou muito furado, ele será utilizado como enchimento para o mini travesseiro e que a estrutura metálica de cada guarda-chuva é destinada à reciclagem.

Kelen dedica o mérito do modelo que confecciona à Virgem Maria, a quem pediu em oração inspiração para fazer sem desperdício de material um tipo de saco que fosse apropriado, confortável, fácil de utilizar e também com aparência bonita.

Ela conta que um dia acordou no meio da noite com o modelo na cabeça. “Ao despertar na madrugada, corri e o desenhei em uma folha de sulfite para não esquecer. Pela manhã, levantei ansiosa para confirmar que não tinha sido somente um sonho. E a folha estava aqui sobre a mesa com o desenho de como eu deveria executar, passo a passo. Então, coloquei em prática”, narra Kelen.

Da produção à distribuição

“Nossa casa virou um ateliê. O espaço é bem pequeno, moramos em um apartamento. Não temos condição de fazer uma produção maior, em larga escala, por conta disso. Mas com a força de vontade que temos já conseguimos fazer um número até razoável”, avalia Luiz.

O processo de confecção possui várias etapas. É iniciado com a separação do tecido da estrutura metálica de cada guarda-chuva. O passo seguinte é a lavagem, sendo que os tecidos manchados primeiro são colocados de molho.  

“Faço todo o procedimento de lavagem manualmente, não utilizo máquina de lavar. Após a secagem, fazemos a separação dos tecidos por tamanho, pequenos, médios e grandes. Depois iniciamos o procedimento de costura na máquina”, discorre Kelen.

Ela explica que une cinco peças, geralmente do mesmo tamanho, para confeccionar um saco, mas que também mescla os tamanhos dos tecidos de acordo com o que tem. “Uso dois guarda-chuvas grandes com dois médios [para o corpo do saco] e um pequeno para fazer a parte da bolsa que vira o capuz”, exemplifica.

Mesmo costurando com uma “máquina simples”, atualmente a média de produção do casal é 60 unidades por semana. Média que aumenta quando eles recebem doações do tecido em rolo, que já está pronto para o uso. “Quando é assim, não precisamos unir as partes e nem fazer higienização. Várias etapas são puladas. Então, a confecção fica mais rápida”, pontua Luiz.

A distribuição dos sacos geralmente acontece aos finais de semana em vários pontos da capital e Grande São Paulo. É Luiz quem coordena a logística. Ele explica que a definição dos locais ocorre previamente de acordo com a demanda que chega até eles. Isso pode ocorrer por meio dos parceiros que apoiam e divulgam a ação, como a ONG Voluntariado Eucarístico (VOE) e a Pastoral do Povo de Rua.

“Nesse final de semana, por exemplo, distribuímos quase cem sacos no Pátio do Colégio, no centro da capital, onde a Pastoral de Rua foi fazer um trabalho de entrega de alimentos, de tocas e cobertores. Então fomos juntos”, expõe Luiz.

Motivação

O casal acredita que por meio da ação “Guarda-chuva & Você” estão colocando em prática a palavra de Deus que diz: “Meus filhinhos, não amemos com palavra, nem com a língua, mas por atos e em verdade” (1 João 3,18).

“Essa é a palavra que a gente consegue vivenciar, não por ouvir, e sim, por estar dentro de uma ação e experienciar”, diz Luiz. “A força e a motivação vem do próprio Cristo. Isso é uma situação que a gente consegue experienciar a cada dia. Ele vai movendo tanto as pessoas, quanto aquilo que necessitamos como família, membros de uma comunidade e como projeto de ação missionária”.

Kelen compartilha ainda como é a recepção das pessoas que recebem as peças prontas. “Todas as vezes que um saco de dormir é entregue a um irmão em situação de rua, podemos ver um brilho de esperança no olhar”, afirma.

Ela ainda relata um momento vivido na última entrega que fez. “Uma mãe com brilho nos olhos e cheio de lágrimas disse que estava feliz porque naquela noite poderia tirar as duas filhas do relento. Isso vale a pena por cada instante e minuto entregue a favor dos nossos irmãos que precisam tanto de nós. É uma ação muito simples, mas que acredito do fundo do meu coração que faz toda a diferença na vida deles”.

Como ajudar?

Para doar guarda-chuvas à “Guarda-chuva & Você” é simples: vá até um dos pontos de coleta (imagem abaixo) e deposite nas caixas disponíveis.

Caso tenha interesse em ajudar de outra forma ou se tornar um ponto de coleta, entre em contato com o casal pelo e-mail: guardachuvaevoce@gmail.com ou pelo telefone (11) 9 5372 8387 (Kelen). Outra forma de contato é o perfil no Instagram @messias_kelen.

No Santuário São Judas Tadeu, que fica na Avenida Jabaquara, 2.682, Mirandópolis, há caixas na secretaria, na entrada da igreja nova, no Café São Judas e no Salão São Judas.

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Teresa Cristina Teixeira Coelho
Teresa Cristina Teixeira Coelho
6 meses atrás

Olá! Tudo bem? Moro em Santo André e li a reportagem sobre os guarda chuvas velhos e tenho alguns para doar. Alguém poderia vir buscar? Quero colaborar mas é impossível eu levar até vocês, não tenho carro. Obrigada!