Encontros familiares

Em época de pandemia, é muito importante pensarmos sobre o que estamos vivendo e o que estamos deixando como memória afetiva na vida dos nossos filhos.

Já passamos de um ano e meio de restrições no convívio, de cuidados com os mais velhos, mais vulneráveis, além de muitas datas comemorativas importantes para a convivência familiar sendo deixadas de lado em nome da saúde física das pessoas. Sem dúvida, uma preocupação muito lícita e importante.

No entanto, o que trago hoje para a nossa reflexão são as perdas que estamos promovendo com essa realidade. Para nós, adultos, um ano e meio de menos convívio, de restrições nos contatos físicos e manifestações afetivas tão próprias da nossa cultura, custa muito, mas, não muda tanto nossa biografia – temos experiência dessa realidade, temos memórias e uma bagagem de histórias de encontros familiares, trocas e aprendizagens. 

Se considerarmos, porém, as crianças, veremos que esse prejuízo se torna tanto maior quanto menor ela for. 

Algumas, inclusive, nasceram nessa perspectiva do isolamento social e estão privadas de uma experiência fundamental na construção de sua personalidade, de seu sentido de pertença – algo que faz parte da estrutura da personalidade da pessoa.

O convívio familiar mais extenso – com avós, tios, primos – é precioso na biografia da pessoa. As histórias familiares compartilhadas pelos mais velhos, os hábitos da organização do encontro, a divisão das tarefas, as brincadeiras e passatempos que se organizam quase que de forma natural são um meio eficiente de transmissão de valores e de cultivo de virtudes. Para além disso, são um momento muito especial de identificação das origens: eu pertenço a este grupo, com estes valores, estes costumes e esta história. 

Toda pessoa tem sede de pertença. Temos muita alegria e conforto afetivo de nos sentirmos pertencentes a um grupo, especialmente quando se trata da nossa origem – fotos, histórias, conversas que deixam marcas. Essa é uma das características mais preciosas da família.

Somos seres radicalmente sociais – fomos feitos para o convívio e precisamos ser formados para que esse convívio aconteça de modo equilibrado, feliz, frutuoso. Na família, temos a oportunidade de experimentar essa realidade e absorver experiências formativas. Claro que existem histórias de família nas quais esses encontros não deixaram memórias tão positivas, mas, mesmo assim, são formativas. É importante identificar a pertença, mesmo que essa não seja “bem-vista”, porque esse é um meio eficiente de promover mudanças. Nem sempre podemos mudar as pessoas que estão ao nosso redor; certamente, não poderemos mudar o passado delas e os motivos que as levaram a um convívio ruim. Podemos, porém, promover convívios diferentes, podemos crescer e construir uma história familiar mais feliz para as próximas gerações. Não podemos esquecer: Deus, de todo mal, tira um bem. E nós, como seus filhos, podemos nos espelhar Nele e, com sua ajuda, fazer o mesmo. 

Preocupa-me a ideia de que, para toda uma geração que está em plena formação, o convívio mais intenso com a família estendida fique prejudicado e o pior: que acatem como natural esse modo de viver, ou seja, que essa seja a realidade deles – não se sente falta do que nunca se teve. 

O relacionamento intergeracional é precioso e formativo. Precisamos garantir essa possibilidade se quisermos famílias bem constituídas, valores familiares garantidos e pessoas capazes de formar família no futuro. 

Diante das circunstâncias que se apresentam a cada momento, precisamos ser criativos, estabelecer alternativas saudáveis. Para isso, é preciso identificar o bem que queremos garantir e, daí sim, definir os meios para que aconteça da melhor maneira possível.

Proteger-nos e proteger a saúde física daqueles que amamos é, sem dúvida, muito importante. Proteger a formação, os vínculos, as necessidades afetivas deles, porém, é tão fundamental quanto. 

Vamos pensar, criar e possibilitar essa rica experiência para nossos filhos – se não o fizermos, certamente nos arrependeremos.

Simone Ribeiro Cabral Fuzaro é fonoaudióloga e educadora. Mantém o site: www.simonefuzaro.com.br. Instagram: @sifuzaro.

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