A caridade social e a política

As eleições municipais já se aproximam, estamos a pouco mais de uma semana do importante exercício de cidadania de ir às urnas para a escolha dos novos chefes dos executivos municipais e dos representantes das câmaras.

O processo eleitoral também não passou inerte aos efeitos da pandemia do novo coronavírus. Os candidatos não puderam se aproximar muito dos eleitores, práticas sempre vistas, sobretudo no processo eleitoral referente aos representantes municipais. A campanha eleitoral também precisou de adaptação, tornando ainda mais relevantes os meios de comunicação disponíveis para o resultado das urnas.

No entanto, se ao eleitor é necessário vigilância e atenção às campanhas dos candidatos para conhecê-los e fazer um boa escolha, é preciso também atenção a uma espécie de “campanha” que quer desqualificar todo o processo político, com a ideia de que esse espaço é ocupado por gente, geralmente, com más intenções, afeitas à corrupção, enganadoras etc.

Essa concepção da política, formada em grande parte pelo intenso bombardeio de notícias de corrupção e desmandos de políticos, só serve a interesses de pessoas e grupos sem compromisso com a melhoria das condições de vida da sociedade. Seus intentos são escusos e almejam o poder para ampliar ou defender seus negócios. Utilizam-se de artimanhas para ludibriar a percepção e avaliação dos eleitores, como: lançar falsas notícias, procurar desqualificar adversários políticos, manipular elementos da cultura ou da religiosidade dos eleitores, gerar conflitos ou alimentar confusões etc.

Ao perceber tal ambiente, pessoas de boa índole e afeitas ao bem tendem a se afastar de tal atmosfera. Diante disso, é oportuno afirmar: “Os partidos, as câmaras municipais e prefeituras não são espaços para abrigar ou esconder políticos corruptos, mas, sim, lugares de pessoas honestas, altivas, preparadas e comprometidas com o bem comum. Há urgência de que cristãos leigos ocupem com consciência os espaços de atuação política, levando a esses ambientes os princípios dos Evangelhos, os modos de atuação dos seguidores de Jesus Cristo e as bases da Doutrina Social da Igreja” (Comunicado da Pastoral Fé e Política do Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em outubro de 2020).

O Papa Francisco, na sua mais recente encíclica, Fratelli tutti (FT), dedica um capítulo todo a tratativas referentes à política, na qual apresenta desdobramentos da concepção política da Doutrina Social da Igreja (DSI) como uma forma ampla e perfeita da caridade, compreensão desenvolvida desde o Papa Pio XI e reproposta por São Paulo VI.

Com a maneira de ver essa atividade essencial para a sociedade, o Papa Francisco convida a revalorizar a política, porque se trata de “uma sublime vocação”, uma vez que “busca o bem comum” (FT, 180). Esse conceito de política implica o exercício do amor social, resposta mais adequada à mentalidade individualista e de fechamento, que está na base de realidades como o indiferentismo, o arrefecimento dos direitos humanos e um projeto social excludente, causadoras de sofrimento a parcelas da sociedade.

O Papa ressalta que o exercício da política perpassado pelo amor social é essencial para o avanço do projeto de Deus Pai para seus filhos, ou seja, uma sociedade fundada em relações fraternas e solidárias. Nesse sentido, diz: “A caridade social leva-nos a amar o bem comum e a buscar efetivamente o bem de todas as pessoas, consideradas não só individualmente, mas, também, na dimensão social que as une” (DSI, 207; in FT,182).

Diante do ensino social da Igreja acerca da política, os discípulos de Jesus Cristo não podem se descuidar dessa atividade. Ao contrário, como a fé cristã a propõe em sua forma mais sublime, é dever dos seguidores do Senhor se esforçar para não deixar a política ser subserviente de interesses de pessoas ou grupos nada afeitos ao bem de todos, pois não conhecem o amor social, e nem que somos todos irmãos uns dos outros.

Pelo exposto nas eleições que se avizinham, é imprescindível identificar os candidatos que aspiram trabalhar pelo bem de todos, em vista da construção de uma sociedade justa, fraterna e pacífica. Se os eleitores, especialmente os que anseiam por justas mudanças, não se esforçarem por uma boa escolha, nem acompanharem as atividades dos eleitos, dificilmente a atividade política alcançará a sua vocação mais alta e sublime.

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