Em SP, bispos de todo o mundo discutem a ‘Cultura da Acolhida’ na mobilidade humana

Luciney Martins/O SÃO PAULO

A Congregação dos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos) realizou em São Paulo, nos dias 22 e 23, o Encontro Internacional de Bispos das Conferên­cias Episcopais inseridos nas Comissões Nacionais de Pastoral da Mobilidade Humana.

Ao todo, 34 países foram representa­dos por líderes religiosos, especialistas em migração e autoridades eclesiásticas. Além de debater e buscar soluções para os desa­fios enfrentados pelos migrantes, eles re­fletiram sobre o trabalho da Congregação diante dessa realidade.

‘ERA PEREGRINO E RECOLHESTES-ME’

Segundo dados do Alto Comissaria­do das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), em maio deste ano havia 110 milhões de refugiados, pessoas forçadas a abandonar suas casas e a se deslocar para outras regiões. A última crise migratória comparável a esta ocorreu durante a 2a Guerra Mundial.

Os fatores que desencadeiam o atual deslocamento em massa incluem não ape­nas conflitos e guerras, mas também o im­pacto das mudanças climáticas, pobreza e instabilidade política, conforme aponta­do pelo relatório “Tendências Globais do Deslocamento Forçado”.

Diante desse cenário, o carisma Sca­labriniano representa uma resposta de amor da Igreja para com esses vulnerá­veis, oferecendo assistência, atenção, aco­lhida, integração, promoção e proteção aos migrantes, refugiados, marítimos e pescadores.

Presentes atualmente em 34 países, os Scalabrinianos mantêm obras e diversos serviços, tais como casas de acolhimento para migrantes, centros de atenção aos migrantes, pastorais do migrante em or­ganismos eclesiais diocesanos e nacionais, paróquias e missões, centros de estudos migratórios, seminários, centros Stella Maris, meios de comunicação social, esco­las, entre outros.

Luciney Martins/ O SÃO PAULO

DESAFIOS: DA PARTIDA À CHEGADA

Cada fase do processo migratório car­rega consigo histórias individuais que não podem ser traduzidas apenas em dados e estatísticas. Os desafios começam no país de origem, muitas vezes afetado por con­flitos, desastres naturais ou pela simples impossibilidade das pessoas em levar uma vida digna na terra natal. Após a decisão de deixar esse ambiente, surge o segundo desafio: o trânsito. O itinerário percorrido em busca de melhores condições de vida muitas vezes envolve enfrentar traficantes, corrupção, meios de transporte perigosos e leis extremamente restritivas.

Uma vez estabelecidos em um novo lugar, eles se deparam com o desafio da acolhida local, dada a dificuldade de en­contrar serviços que proporcionem pro­teção e oportunidades para que tenham uma vida com dignidade. Além de supe­rar as dificuldades da falta de recursos, da distância da família e da disparidade de línguas, eles ainda enfrentam preconceitos e rejeições.

Padre Leonir Chiarello, Superior-geral dos missionários Scalabrinianos, destaca a necessidade de desenvolver uma cultura de acolhida para essas pessoas: “O Papa Francisco tem nos falado muito sobre si­nodalidade, e isso nos inspira a compre­ender que não basta oferecer serviços, mas é necessário desenvolver uma cultura de cuidado, respeito e dignidade para com as pessoas, independentemente do país em que nasceram”.

A cultura da acolhida começa quando o migrante não é visto como um invasor, mas como o próprio Cristo que transfor­ma a miséria humana em uma oportuni­dade de comunhão com o próximo.

“O encontro com o outro é sempre uma oportunidade de crescimento. Aque­le que vem de outra realidade nos oferece possibilidades e oportunidades que em nosso pequeno mundo não temos”, enfati­za o Padre Alexandre Biolchi, Superior-re­gional dos missionários Scalabrinianos na América do Sul, destacando que essa inte­gração também pode proporcionar bene­fícios às nações que recebem os refugiados.

PASSOS ADIANTE

Além das discussões e apresentações, os participantes do encontro conheceram algumas iniciativas gerenciadas pelos Sca­labrinianos, como a Missão Paz e o antigo orfanato Cristóvão Colombo. Este último, que já abrigou milhares de crianças, conti­nua a ser um ambiente de cuidado, amor e proteção às crianças e aos adolescentes. Os participantes ainda receberam flores pro­duzidas pelas próprias crianças e visitaram o museu do instituto.

Dom José Luiz Ferreira Salles, Presi­dente do Serviço Pastoral dos Migrantes, destaca que o encontro promoveu pro­postas concretas para o desenvolvimento do trabalho que já é realizado, como, por exemplo, buscar uma maior incidência política: “Esse é um projeto grande que pensamos para o próximo ano, buscar a participação do governo na responsabi­lidade da defesa dos direitos dos pobres, migrantes e refugiados que aqui chegam”.

Falando aos participantes no primeiro dia do evento, o Padre Fábio Baggio, CS, Subsecretário do Dicastério para o Servi­ço do Desenvolvimento Humano Integral, abordou as migrações contemporâneas, a preocupação do Papa com a temática e os desafios pastorais, eclesiais e missionários.

ENXUGAR AS LÁGRIMAS DE CRISTO

Na missa de encerramento do encon­tro, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arce­bispo de São Paulo, reconheceu a impor­tância do trabalho da Congregação no acolhimento ao imigrante e na construção de uma sociedade mais fraterna.

“Os Scalabrinianos realizam um traba­lho significativo com seu carisma, pois sa­bemos que a situação dos migrantes é uma realidade presente em nossa comunidade. A ajuda organizada que oferecem nos leva ao encontro deles e contribui para inseri­-los na vida da Igreja”.

Promover e estar aberto a esse encon­tro não é uma experiência exclusiva do carisma Scalabriniano, mas uma reco­mendação do Sumo Pontífice para toda a Igreja, conforme lembrado por Dom Odilo: “O Papa tem sido insistente com o tema da indiferença aos irmãos que não encontram acolhimento diante de sua fragilidade e situação. Podemos nos questionar se, diante dessa situação, Jesus não está chorando, assim como chorou por Jerusalém”.

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