Relatório apresentado ao clero brasileiro alerta sobre ameaças à liberdade religiosa no mundo

(Divulgaçcão/ACN Brasil)

A Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, na sigla em inglês) realizou na terça-feira, 22, um evento on-line para apresentar aos clérigos do Brasil os dados do Relatório Liberdade Religiosa no Mundo 2021.

A iniciativa teve o objetivo de aprofundar com sacerdotes e diáconos a amplitude das violações da liberdade religiosa no mundo, que, segundo relatório publicado em 20 de abril, atinge um em cada três países do globo.

Participaram do evento o Assistente Eclesiástico da ACN Brasil, Frei Rogério Lima; a presidente da entidade no País, Ana Cecília Giorgi Manente; e colaboradores da Fundação Pontifícia.

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Intolerância

Rodrigo Arantes, do setor de comunicação da ACN Brasil, explicou as diferentes classificações de violações da liberdade religiosa que ajudam a compreender o relatório.

A primeira delas é a intolerância, que, de alguma forma, atinge todos os países e que se torna mais grave quando demonstrada abertamente sem a contestação das autoridades locais.

“A intolerância acontece, por exemplo, quando se disseminam mensagens sobre um grupo específico como sendo perigoso ou nocivo em uma sociedade […] Durante a pandemia, em alguns países, minorias religiosas foram acusadas de serem as transmissoras responsáveis pelo coronavírus”, relatou Arantes, ponderando que, nesses casos, ainda há o respaldo de lei para as vítimas.

Discriminação

Quando as autoridades não agem com firmeza contra os atos de intolerância religiosa, abre-se espaço para o agravamento da situação, que consiste na discriminação.

A discriminação ocorre quando há leis ou normas que se aplicam a um grupo específico e não a todos. Nesse caso, geralmente, é o Estado que se torna o autor do crime que viola a liberdade religiosa. Um exemplo disso são as “leis da blasfêmia” existentes em alguns países islâmicos que colocam uma crença acima de todas as outras e, em vez de protegerem os indivíduos, protegem um grupo.

Entre as discriminações, inclui-se a limitação do acesso ao emprego, recusa da prestação de serviços de emergência se os beneficiários não pertencerem a uma determinada religião, a incapacidade de comprar ou reabilitar bens, de viver em um determinado bairro ou de exibir símbolos de fé.

(Divulgaçcão/ACN Brasil)

Perseguição

A etapa seguinte, que pode coexistir com discriminação, é a perseguição religiosa. Pode ser um programa ou uma campanha ativa para exterminar expulsar ou subjugar pessoas com base no fato de serem membros de um grupo. Portanto, habitualmente, inclui crimes de ódio.

Tais perseguições são vistas, no Oriente Médio e, mais recentemente, têm crescido no continente africano. “Na perseguição, os indivíduos pertencentes a grupos minoritários podem estar sujeitos a assassinatos, expropriação e destruição de bens, roubo, deportação, exílio, conversão forçada e, até mesmo, casamentos forçados”, enumerou Arantes, acrescentando que nos casos do extremismo islâmico, até grupos muçulmanos são alvos dessas perseguições.

Genocídio

Em casos extremos, a perseguição se transforma em genocídio, que, como explicou o especialista, é constituído por atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

Nesses casos, além de assassinatos, são considerados genocídio os danos físicos ou mentais causados a membros de um grupo, a imposição de condições de vida que provoquem a sua destruição física, medidas que impeçam os nascimentos no grupo, assim como a transferência forçada de crianças para outros grupos ou mesmo o recrutamento militar de menores para grupos terroristas.

Segundo o Relatório da ACN, a liberdade religiosa não foi respeitada em 62 (31,6%) dos 196 países, entre 2018 e 2020. Em 26 desses países, as pessoas sofrem perseguição e, em 95% deles, a situação ficou ainda pior durante o período analisado. Nove países aparecem nesta categoria (Perseguição Religiosa) pela primeira vez: sete na África (Burkina Faso, Camarões, Chade, Comores, República Democrática do Congo, Máli e Moçambique) e dois na Ásia (Malásia e Sri Lanka). Na China e em Mianmar, as investigações estão em andamento para a confirmação de um possível genocídio.

Sofrimento

Foi apresentado aos clérigos o depoimento do Padre Joseph Fidelis, que está na Diocese de Maiduguri, no nordeste da Nigéria, onde vivem cerca de 222 mil católicos entre os 7,5 milhões de habitantes.

Na década passada, já havia uma sistemática perseguição aos cristãos dessa região, que eram constantemente privados de seus direitos, como emprego e oportunidades econômicas.

“Com a vinda do [grupo terrorista] Boko Haram, há 11 anos, a situação tornou-se terrível para os cristãos. Perdemos muitas pessoas… Experimentamos mortes violentas e também privações. Cristãos são caçados como animais selvagens”, contou o Padre, destacando a onda de sequestros de meninas adolescentes que são forçadas à “conversão” ao Islã e ao casamento com estranhos.

No Brasil

O sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP e responsável pela parte brasileira do relatório, explicou aos clérigos que, na América Latina, crescem os casos de intolerância religiosa, incluindo o Brasil.

De acordo com dados dos últimos sete anos, as religiões afro-brasileiras continuam a ser as mais perseguidas no País, a ser registrados casos de ataques a locais de culto, sequestros, agressões e até assassinatos, além da constatação da “omissão ou incapacidade” do Estado para garantir a segurança desses grupos perseguidos.

Frei Rogério Lima, Assistente Eclesiástico da ACN Brasil (reprodução da internet)

Outro dado que chama a atenção sobre o Brasil é a nova escalada de agressividade e intolerância. Tal escalada se manifesta por politização dos valores tradicionais, das crenças religiosas e do ressentimento diante do “cancelamento cultural” às comunidades cristãs ou “perseguição educada”, expressão cunhada pelo Papa Francisco, para descrever como as novas normas e valores culturais entram em conflito com os direitos individuais à liberdade de consciência, e consignam a religião “aos distritos fechados de igrejas, sinagogas ou mesquitas”.

Frei Rogério Lima salientou que a preocupação com a liberdade religiosa está na gênese dessa fundação pontifícia e tem uma intrínseca relação com aquilo que é próprio do ministério sacerdotal: “reconstruir a partir da reconciliação”.

O Assistente Eclesiástico afirmou ainda, que, apesar de gerar certa indignação, esses dados não podem despertar um sentimento de agressividade para com aqueles que violam a liberdade religiosa. Ao tomarem consciência dessa realidade, porém, os clérigos devem ajudar na formação de futuras gerações para que tenham como prioridade “o diálogo, o respeito, a valorização do diferente”.

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luis carlos gomes de souza
luis carlos gomes de souza
2 anos atrás

Ou somos cristãos e acreditamos que somos a verdadeira religião ou ficamos no campo da sociologia. Dessa forma a religião morre porque não se cria mais testemunho. Fica claro que no Brasil o catolicismo está decaindo porque não se tem mais testemunhas que defendam a religião católica.