A Divina Misericórdia segundo os ensinamentos dos papas

Imagem de Jesus Misericordioso, no Vaticano (foto: Vatican Media)

Neste Segundo Domingo da Páscoa, 11, celebra-se a Festa da Divina Misericórdia, instituída por São João Paulo II para recordar esse que é o centro do mistério da salvação da humanidade.

Recentemente, a Igreja Católica celebrou um jubileu extraordinário dedicado à misericórdia, convocado Pelo Papa Francisco, que convidou não apenas os católicos, mas todas as pessoas de boa vontade a contemplarem Jesus Cristo “rosto da misericórdia do Pai”. Esse é, inclusive, o nome da bula de proclamação desse jubileu – Misericordiae vultus, na qual ressalta:

“Precisamos sempre contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz. É condição da nossa salvação. Misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia: é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado”.

Nesse mesmo documento o Papa Francisco recorda três pontífices anteriores que dedicaram especial atenção ao tema da misericórdia. São João XXIII, que, ao convocar o Concílio Vaticano II, disse: “Agora a Esposa de Cristo prefere usar a medicina da misericórdia, em vez da severidade”; São Paulo VI, que, na conclusão do mesmo Concílio, indicou o samaritano misericordioso como modelo de espiritualidade a ser seguido pela Igreja e seus fiéis; e São João Paulo II, que fala, em sua Carta Encíclica Dives in Misericordia, da Revelação da Misericórdia de Deus.

A pregação sobre a misericórdia é considerada um eixo fundamental do magistério pontifício contemporâneo, como ressalta o livro “Os Papas e a Misericórdia”, publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, em 2016, por ocasião do jubileu extraordinário. Leia, a seguir, alguns aspectos dos ensinamentos dos pontífices sobre a misericórdia.

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São Paulo VI (reprodução da internet)

Miséria humana

Na Audiência Geral de 20 de março de 1974. São Paulo VI meditou a partir de uma intuição de Santo Agostinho que, segundo ele, permite resumir a história da salvação como a de um encontro entre a miséria do homem e a misericórdia de Deus:  

“Ao falarmos de miséria queremos falar do pecado, tragédia humana que se desenrola na história do mal, abismo obscuro que precipita para uma espantosa ruína.  [...] A misericórdia divina vem em socorro da miséria do homem. E vós sabeis com que providência: ‘Onde foi grande o pecado, foi bem maior a graça’ (Rm 5,20). E como já sabeis, como imprevisível amor: Cristo, o verbo de Deus feito homem, assumiu sobre si mesmo a missão redentora”.

Na Dives in misericordia, São João Paulo II sublinha que Cristo torna presente o Pai como misericórdia:

“Em Cristo e por Cristo, Deus, com a sua misericórdia, torna-se particularmente visível, isto é, coloca-se em evidência o atributo da divindade, que já o Antigo Testamento, servindo-se de diversos conceitos e termos, tinha chamado de ‘misericórdia’ [...]. Não somente fala dela e a explica com o uso de comparações e das parábolas, mas sobretudo Ele próprio a encarna e a personifica. Ele próprio é, em certo sentido, a misericórdia”.
São João Paulo II beija cruz apresentada pelo Cardeal Ratzinger (Bento XVI) (foto: Vatican Media)

Olhar para a cruz

No Angelus de 25 de fevereiro de 2007, o hoje Papa emérito Bento XVI destacou que a cruz revela a gravidade do pecado e o poder transformador da misericórdia: 

“Contemplando com os olhos da fé o Crucificado, podemos compreender em profundidade o que é o pecado, quanto é trágica sua gravidade e, ao mesmo tempo, como é incomensurável o poder do perdão e da misericórdia do Senhor [...]. olhando para Cristo, sintamo-nos ao mesmo tempo protegido por Ele. Aquele que nós trespassamos com as nossas culpas não se cansa de derramar sobre o mundo uma torrente inexaurível de amor misericordioso.”

Em seguida, o Pontífice complementou:

“Possa a humanidade compreender que só desta fonte é possível extrair a energia espiritual indispensável para construir aquela paz e felicidade que cada ser humano procura incessantemente”.

Deus não se cansa de perdoar

No primeiro Angelus de seu pontificado, em 17 de março de 2013, apenas quatro dias após ser eleito papa, Francisco meditou sobre a passagem da mulher adúltera salva por Jesus do apedrejamento e afirmou:

“Irmãos e irmãs, o rosto de Deus é o de um pai misericordioso, que sempre tem paciência. Já pensastes na paciência de Deus, na paciência que Ele tem com cada um de nós? É a sua misericórdia. Sempre tem paciência, tanta paciência conosco: compreende-nos, está à nossa espera; não se cansa de nos perdoar, se soubermos voltar para Ele com o coração contrito [...]. Ele nunca se cansa de perdoar, mas nós, às vezes, cansamo-nos de pedir perdão”.
São João XXIII (reprodução da internet)

Os pontífices também chamam a atenção para os sacramentos, especialmente o da Reconciliação (Confissão), como meios pelos quais a misericórdia divina transforma os pecadores e lhes dá vida nova. Na Encíclica Sacerdotii nostri primordia (1959), São João XXIII recorre ao exemplo de São João Maria Vianney:

“O Cura d’Ars não vivia senão para os ‘pobres pecadores’ como ele dizia, na esperança de os ver converter-se e chorar [...]. Ante a obstinação dos pecados e a sua ingratidão para com um Deus tão bom, as lágrimas brotavam-lhe dos olhos: ‘Oh, eu amigo’– dizia ele – ‘eu choro porque vós não chorais!’ Mas, pelo contrário, com que delicadeza e fervor ele fazia a esperança renascer nos corações arrependidos. Incansavelmente, tornava-se junto deles o ministro da misericórdia divina, que é, dizia ele, poderosa ‘como uma torrente saída do leito, que arrasta os Corações na sua passagem’ e mais terna do que a solicitude de uma mãe, porque Deus está ‘mais pronto em perdoar do que uma mãe em tirar o seu filho do fogo’”.

Núcleo do Evangelho

Bento XVI, no Angelus de 30 de março de 2008, sublinhou que a misericórdia entra na história com Cristo:

“Na realidade, a misericórdia é o núcleo da mensagem evangélica, é o próprio nome de Deus, o rosto com o qual Ele se nos revelou na Antiga Aliança e plenamente em Jesus Cristo, encarnação do amor criador e redentor”.

O Papa Ratzinger acrescentou que esse amor de misericórdia ilumina também o rosto da Igreja e se manifesta quer mediante os sacramentos, quer com as obras de caridade comunitárias e individuais:

“Tudo o que a Igreja diz e realiza manifesta a misericórdia que Deus sente pelo homem, portanto, por nós. Quando a Igreja deve reafirmar uma verdade menosprezada ou um bem traído, fá-lo sempre estimulada por amor misericordioso, para que os homens tenham vida e a tenham em abundância (cf. Jo 10,10).”
Papa Francisco reza diante de imagem de Jesus Misericordioso (foto: Vatican Media)

Já Francisco, na bula de convocação do jubileu extraordinário, fala do grande rio da misericórdia:

“Do coração da Trindade, do íntimo mais profundo do mistério de Deus, brota e flui incessantemente a grande torrente da misericórdia. Esta fonte nunca poderá se esgotar, por maior que seja o número daqueles que dela se abeiram. Sempre que alguém tiver necessidade terá acesso a ela, porque a misericórdia de Deus não tem fim.”

Na encíclica Ecclesiam suam (1964), São Paulo VI salientou que a misericórdia é o caminho que une a Igreja e o mundo e usa uma analogia oportuna para a atualidade:

“Como o médico, ao ver as ameaças da epidemia, procura preservar da infecção a si e aos outros, sem deixar de atender aos que já estão contagiados, assim a Igreja não considera a misericórdia que lhe foi concedida pela bondade divina como privilégio exclusivo, nem faz da própria felicidade razão para se desinteressar de que não a conseguiu ainda; bem pelo contrário, esse mesmo tesouro de salvação que possui, é para ela fonte de interesse e de amor por todos os que lhe estão perto. O mesmo faz com todos os que pode abranger em um esforço comunicativo universal”.

Mãe de Misericórdia

Os papas também manifestaram que Maria foi a primeira a ser irrigada pela fonte da misericórdia de Deus e, por isso, é invocada como “Mãe de misericórdia”. 

Na encíclica Mense maio (1965), São Paulo VI enfatizou que Nossa Senhora foi instituída por Deus como dispensadora de sua misericórdia:

Nossa Senhora da Misericórdia, devoção popular na Lituânia (reprodução da internet)
“Maria Santíssima foi constituída administradora e dispensadora generosa dos tesouros da sua misericórdia. Ela, que experimentou as penas e as tribulações da Terra, o cansaço do trabalho de cada dia, os incômodos e os apertos da pobreza, as dores do Calvário, senha em socorro das necessidades da Igreja e do mundo.”

São João Paulo II, na Dives in misericordia, reforça essa dimensão:

“Maria é [...] aquela que, de modo particular e excepcional – como ninguém mais –, experimentou a misericórdia e, também de modo especial, tornou possível, com sacrifício do coração, a sua participação na revelação da misericórdia divina.”

Francisco, na Misericordiæ vultus, define Maria como especialista em misericórdia porque seu coração está em perfeita sintonia com Cristo.

“A Mãe do Crucificado Ressuscitado entrou no santuário da misericórdia divina, porque participou intimamente no mistério do seu amor. Escolhida para ser a Mãe do Filho de deus, Maria foi preparada desde sempre pelo amor do Pai para ser Arca da Aliança entre Deus e os homens.”
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