Ucrânia: Igreja se mantém ao lado do povo na guerra que perdura há mais de mil dias

Paróquia Espírito Santo

O mundo acompanha há mais de mil dias as notícias sobre os desdobramentos da invasão do território da Ucrânia pelas tropas da Rússia, iniciada em fevereiro de 2022, causando destruição de cidades, milhares de mortes e uma avalanche de refugiados.

Segundo dados do Alto Comissaria­do das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), mais de 6,3 milhões de pessoas deixaram a Ucrânia desde o começo do conflito. Desse total, 5,9 milhões foram para outros países europeus, como Alema­nha, República Tcheca, Itália e Polônia. Há também 5 milhões de deslocados internos e cerca de 40% da população depende de ajuda humanitária para sobreviver.

PROXIMIDADE PASTORAL

Desde o começo da guerra, o Padre Lucas Perozzi Jorge, 39, nascido em Álva­res Machado (SP) e membro do Caminho Neocatecumenal, tem acompanhado de perto o sofrimento dos ucranianos. Ele re­side naquele país desde 2003 e atualmente é Pároco da Paróquia Espírito Santo, em Bayarka, uma pequena cidade-dormitório a 30 quilômetros da capital, Kiev.

“São mil dias de guerra e a nossa volta um cenário de destruição. Continuamos a ter ataques aéreos e, com muita frequência, ataques de drones”, relatou o Sa­cerdote. “Vamos dormir ao som das sire­nes e acordamos com o som estridente das sirenes e de bombardeamentos. As sirenes são contínuas, e isso tem levado as pessoas a um cansaço psicológico muito grande”, afirmou ao O SÃO PAULO.

Padre Lucas assegurou que a rotina dos ucranianos mudou por completo desde o começo da guerra e é sempre marcada por imprevistos: “Outro dia, eu estava cansado e saí um pouco antes de ir dormir. Houve, porém, um ataque com drones, que logo foram destruídos pela defesa antiaérea. De repente, estavam a cair pedaços das bom­bas antiaéreas como que em uma chuva. Comecei a escutar barulhos muito fortes de pedaços grandes de metal a estilhaçar­-se no chão. Pensei: ‘pelo amor de Deus, passei tanto tempo na guerra e agora vou morrer com uma besteira dessas?’ Voltei para casa correndo”.

O ímpeto dos ucranianos em comba­ter as tropas russas, visto no começo do conflito, também arrefeceu: “No início da guerra, as pessoas queriam defender o país. Agora, passados mil dias, há um cansaço psicológico por parte de todos. Já não há mais tanto medo das bombas e o som estridente das sirenes são tão frequentes que muitos já não se impor­tam com a própria vida. No primeiro ano, corríamos para os bunkers, agora não. Sabemos que a qualquer momento poderemos morrer por um míssil ou por uma parada cardíaca”, contou. “Estamos em guerra e única certeza que temos é que Deus é bom, nos protege e nos ama a todos”, prosseguiu.

ANUNCIAR O EVANGELHO COM ALEGRIA E ESPERANÇA

“Há uma falta de esperança nas pesso­as, uma falta do sagrado, do Divino. Com tanto tempo de guerra, enfrentamos o momento em que nada consola. As pes­soas não buscam mais nada. Muitas estão em uma grande apatia, uma grande de­silusão por tudo”, descreveu o Sacerdote.

Padre Lucas comentou que a sensação a cada missa celebrada é que pode ter sido a última: “Não sabemos como estaremos no dia seguinte, mas mantemos as missas nos horários estabelecidos. Em média, 80 pessoas participam das celebrações domi­nicais e temos atualmente um grupo com cinco catequizandos para a primeira Eu­caristia, 15 na Crisma e um grupo de ca­sais se preparando para o sacramento do Matrimônio. Enquanto estivermos vivos, temos a missão de anunciar o Evangelho com alegria e esperança”.

A FÉ EM MEIO ÀS INCERTEZAS

Ao longo destes 33 meses de guerra, a ajuda da Igreja e de outras organizações têm sido fundamental para a população.

“No início da guerra, recebíamos mais doações. Atualmente, contamos com ações concretas graças ao apoio da nossa diocese que faz um grande esforço para ajudar a manter as ações sociais e a dinâ­mica da Paróquia; contamos com doações da Cáritas Diocesana e da AIS [funda­ção pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre – ACN]”, diz o Padre.

“A fundação AIS tem nos ajudado bas­tante. Todas as paróquias receberam uma ajuda para fazer acampamentos com jo­vens e crianças. É importante tirá-las desse ambiente de sirenes para momentos de descanso, lazer e espiritualidade”, recordou.

Outra iniciativa graças às doações é um curso preparatório “Recuperar-se pela vida” na base do Serviço Cristão de Res­gate (CSP), uma organização intercon­fessional, para sacerdotes e leigos, para o acolhimento das pessoas que estiveram no front da guerra.

“Temos de nos qualificar para saber­mos trabalhar com essas pessoas que es­tiveram na linha de frente da guerra, com pais que perderam os filhos, com filhos que perderam os pais. Lidar com os trau­mas e perdas não é fácil, é uma nova reali­dade para nós”, destacou o Padre.

APELOS E AÇÕES PELA PAZ

“A guerra é sempre uma derrota. Peço mais uma vez que se ponha fim à loucura da violência e de um comprometimento por uma paz justa e duradoura. Rezemos pela população ucraniana,” escreveu o Papa Francisco na @Pontifex no “X”, em 19 de novembro, quando se completaram os mil dias do conflito.

Em carta enviada a Dom Visvaldas Kulbokas, Núncio Apostólico na Ucrânia, o Pontífice agradeceu-lhe por ter “perma­necido ao lado da população diante desta tragédia imensa” e lembrou que “nenhu­ma palavra humana é capaz de proteger suas vidas dos bombardeamentos diá­rios, nem consolar aqueles que choram os mortos, nem curar os feridos, nem trazer de volta as crianças, nem libertar os prisio­neiros, nem mitigar os efeitos severos do inverno, nem restaurar a justiça e a paz”.

Desde o início do conflito, a diploma­cia da Santa Sé tem estado em ação com o propósito de que os líderes da Ucrânia e da Rússia entrem em entendimento para que cessem os ataques russos e as respos­tas bélicas ucranianas, financiadas espe­cialmente pelos Estados Unidos e a União Europeia.

Por mais de uma vez, o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, foi enviado à Ucrânia pelo Papa Francisco. Na última, em julho, ele visitou as cidades de Lviv, Odessa e Kiev.

“A Ucrânia é um país atacado e mar­tirizado, que testemunha o sacrifício de gerações inteiras de homens, jovens e ido­sos, afastados dos estudos, do trabalho e da família para serem enviados à linha de frente; vive o drama de quem vê seus entes queridos morrerem sob as bombas ou ata­ques de drones; vê o sofrimento de quem perdeu sua casa ou vive em condições ex­tremamente precárias por causa da guer­ra”, declarou o Cardeal Parolin em recente entrevista ao Vatican News.

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